Plano em debate na Câmara propõe estoque de terras públicas em SP

Movimento Pelo Direito à Cidade vê avanços em política fundiária e pede ajustes

Por Rede Brasil Atual
Segunda-feira, 14 de abril de 2014


São Paulo – O Plano Diretor Estratégico (PDE) da cidade de São Paulo propõe a criação de um estoque de terras públicas em São Paulo. A medida está no texto do Projeto de Lei 688/2013, em discussão na Câmara Municipal, e é apontada por urbanistas e movimentos sociais como um avanço na política fundiária. O preço alto dos imóveis na capital dificulta o desenvolvimento de empreendimentos habitacionais e projetos de outras áreas que demandam a disponibilidade de terras, como construção de escolas e hospitais. Entre hoje e quinta-feira (14 a 17) haverá audiências públicas abertas a questionamentos, críticas e sugestões para a lei.

O PDE é um dos principais mecanismos de planejamento da cidade e vigora por dez anos antes de ser revisto. Dois itens do texto que está na Comissão de Política Urbana possibilitariam a criação desse estoque.

O primeiro é a destinação de 30% do Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano (Fundurb) para a aquisição de terrenos na cidade. O texto explicita que as terras devem estar na Macroárea de Estruturação Metropolitana e na Macroárea de Qualificação da Urbanização Consolidada, ou seja, fora das áreas de proteção ambiental da cidade, mas não especifica a finalidade do uso dos terrenos, abrindo espaço para que praças, parques, escolas, moradias e outros equipamentos públicos sejam construídos.

A principal fonte de arrecadação do Fundurb são os recursos da Outorga Onerosa, valor pago por empreendedores que querem construir imóveis acima da altura permitida em uma determinada área. No mês passado, havia R$ 300,2 milhões disponíveis em caixa. Com o novo Plano Diretor, que diminui as alturas padrão permitidas, mas aumenta as possibilidades de exceder esse limites mediante pagamento de outorga, a expectativa é que a arrecadação aumente.

O outro mecanismo é a Cota de Solidariedade, que sugere que empreendimentos com mais de 20 mil metros quadrados tenham obrigatoriamente de doar para a prefeitura área correspondente a 10% do valor do terreno ou construir habitação de interesse social (HIS) na mesma proporção.

“Sem dúvida, a obtenção de terras em áreas bem localizadas da cidade sempre foi um grande gargalo das políticas habitacionais. E o Plano Diretor avança no combate a essa questão”, afirma o advogado Álvaro Pereira, do movimento Pelo Direito à Cidade. “Não dá para afirmar que vai mudar a cidade. Mas é um passo”, pondera.

Outra proposta considerada positiva é a criação do Serviço de Moradia Social, descrito no texto como "ação que associa a produção habitacional de interesse social, ou as demais formas de intervenção urbanísticas, com regras específicas de fornecimento de serviços públicos e investimentos em políticas sociais, adequando-os às características de grupos em situação de vulnerabilidade ou risco social”. A ideia é atender prioritariamente a idosos de baixa renda, população em situação de rua ou atendida por programas sociais e população de baixa renda atingida por remoções decorrentes de intervenções públicas. Caberá ao Serviço de Moradia Social, em conjunto com representantes da sociedade, fiscalizar e gerir a política habitacional.

Os parques públicos destinados à locação social são outro mecanismo fortalecido na proposta do PDE. A ideia é que sejam erguidos conjuntos habitacionais, cuja propriedade permaneça com a prefeitura enquanto a posse é transferida provisoriamente para a população carente. Dessa forma, combate-se o problema da venda de imóveis construídos com dinheiro público. Modelos semelhantes são adotados na França e Inglaterra.

“É a primeira vez que moradia é vista como um serviço oferecido pelo município. Isso é bem interessante”, aponta Pereira. O advogado também destaca a autoaplicabilidade de vários mecanismos, o que significa que não será necessária a criação de leis posteriores para regulamentação, obstáculo para diversos avanços contidos no Plano Diretor em vigência hoje na cidade.

O Movimento Pelo Direito à Cidade reúne o Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade da Universidade de São Paulo, o Escritório Modelo da Universidade Pontifícia Católica, o Núcleo de Habitação da Defensoria Pública, o Centro de Direitos Humanos Gaspar Garcia, o Instituto Polis e a União Nacional de Moradia Popular. Essas organizações avaliaram o substitutivo apresentado no final do mês passado pelo vereador Nabil Bonduki e propuseram ajustes.

Entre eles, que a Cota de Solidariedade seja obrigatória para construções com mais de 10 mil metros quadrados. “A ideia é garantir mais terra para construção de HIS. E também evitar que os empreendedores, para evitar a Cota, fragmentem os terrenos. Em vez de construir um conjunto só, faz vários”, afirma o advogado. “Na verdade, a gente acha que deveria ser em todas as construções, mas temos noção de que a proposta precisa ter alguma viabilidade política”, diz.

O coletivo também pede alterações em relação à falta de prazos e diretrizes para a elaboração dos planos setoriais e os empecilhos criados para a criação de pequenos comércios nos Eixos de Estruturação Urbana, aqueles ao longo dos corredores de mobilidade. “O texto fala em um tamanho mínimo de lote, que dificulta que pequenos comerciantes aproveitem os incentivos que serão dados a quem se instalar lá”, aponta Pereira.

Críticas

A votação do substitutivo na Comissão de Política Pública já foi adiada duas vezes, a última, na quarta-feira (9). Publicamente, vereadores da comissão e do restante da casa legislativa têm feito críticas a esses mecanismos. “Tem muitos interesses que não se colocam no espaço público, o que mais transparece até agora é a questão do aeródromo em Parelheiros, que vem se cristalizando como uma moeda de troca”, detalha. “Mas quando for para o plenário, o jogo tende a ficar mais quente e todas essas questões que avançam na área de habitação social deverão enfrentar resistência”, acredita.




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