Comitiva da prefeitura de SP vê política holandesa de salas para uso de drogas como positiva
Secretários estiveram no país europeu semana passada
Quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014
São Paulo – Uma comitiva de secretários que coordenam o programa De Braços Abertos, voltado para usuários de crack da região da Luz, no centro de São Paulo, se impressionou positivamente com a experiência holandesa de salas seguras para o uso de drogas. Eles estiveram na semana passada no país europeu que, há 20 anos, utiliza essa e outras estratégias de redução de danos para usuários de heroína. Para o secretário de segurança urbana, Roberto Porto, uma das vantagens desses espaços é a separação física de usuários e traficantes. Esse tipo de equipamento, no entanto, ainda não tem previsão legal no Brasil.
“Obviamente, serve de exemplo para nós. Porque nas regiões onde temos o crack, não temos ainda essa distinção. O traficante está misturado com o usuário e isso dificulta nosso trabalho. Eles conseguiram tratar bem esses dois polos. Um que é tratado pela saúde, pela assistência, e outro pela atividade policial”, afirmou Porto. “É algo que nossa legislação talvez nem permita, mas uma visita como essa abre o debate. Isso não é feito somente pela prefeitura, mas no âmbito nacional discute-se a mudança na legislação para a criação de salas seguras”, disse.
Desde o dia 15 de janeiro, a prefeitura desenvolve o programa De Braços Abertos na região conhecida como cracolândia. Usuários que viviam em uma favela montada nas ruas Helvetia e Dino Bueno foram levados para hotéis na região, empregados em equipes de varrição e recebem atendimento social, psicológico e de saúde.
Na Holanda, desde 1976, há dois tipos de salas, uma em que os usuários levam a própria droga e outra em que o Estado fornece o entorpecente. Em ambos os casos, há testes em relação à qualidade e o usuário só pode usar uma dose considerada segura. Os ambientes são monitorados por equipes médicas e de assistência. Com isso, o uso de drogas na rua é proibido e o tráfico, criminalizado.
Para o embaixador do país no Brasil, Kees Rade, as salas são um aspecto fundamental do sucesso da política holandesa. “O problema que a cidade de São Paulo tem com um grupo de pessoas usuárias de drogas – não em um lugar fixo, mas se movendo pela cidade – nós conhecemos há 45 anos. E hoje não temos mais. Logramos encontrar políticas para solucionar, enfatizando o aspecto ilegal das drogas, mas também o aspecto da saúde e social, oferecendo aos drogadictos um ambiente seguro".
“O índice de criminalidade diminuiu muito. Isso é importante, porque você tem dois vieses”, apontou a secretária de Assistência e Desenvolvimento Social, Luciana Temer. “Tem o do usuário – e é preciso que o Estado olhe e cuide desse usuário – e tem a sociedade como um todo, que também precisa ser cuidada e o espaço público que precisa ser cuidado. Foi a conjugação dessas preocupações que possibilitou o êxito da política holandesa”, destacou.
Apesar do entusiamo demonstrado, os secretários enfatizaram que qualquer mudança em relação à nossa legislação deve ser feita pelo poder legislativo federal.
“Não dá para transplantar assim as salas seguras de lá para cá. Por isso é um debate do legislativo. Na Holanda, não tem salas seguras para outros tipos de drogas. Fazer analogia entre sala segura e crack é um pouco difícil. O que a gente precisa enfatizar é a separação do usuário e do traficante e o monitoramento máximo possível dos usuários”, avaliou o secretário de Relações Internacionais, Leonardo Barchini.
Porto observou que essa separação evitaria intervenções policiais, como a que levou à prisão do rapper Kawex, na segunda-feira (24). Policiais Militares entraram no "fluxo" – como é conhecida a aglomeração de usuários e traficantes na Luz – para prender um suposto traficante, o que causou tumulto entre os dependentes. Um policial dirigiu palavras chulas a uma mulher e quando Kawex tentou defendê-la, foi levado para a delegacia por desacato, sendo liberado em seguida. “Ainda há muita promiscuidade. Muita mistura de usuários e traficantes. Ali tem que ser um espaço sagrado do tratamento de saúde”, comentou.