Vila Socó, em Cubatão, entra na pauta da Comissão da Verdade de São Paulo

Informação foi divulgada em Cubatão no debate sobre os 30 anos da tragédia

Por Prefeitura de Cubatão
Quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014


Trinta anos depois, a tragédia da Vila Socó vai ser novamente investigada, agora pela Comissão da Verdade "Rubens Paiva" (de São Paulo). O anúncio da inclusão desse tema foi feito nesta terça-feira (25) pelo seu presidente, deputado Adriano Diogo, na Assembléia Legislativa, como informou em Cubatão o advogado e jornalista Dojival Vieira dos Santos, que solicitou essa inclusão e à noite participou do debate sobre o documentário "Vila Socó - Uma Tragédia Anunciada", exibido no Cine Roxy Anilinas.

A reapresentação do filme (que foi exibido na segunda-feira durante cerimônia na Vila São José em homenagem às vítimas daquele incêndio) foi promovida pela Prefeitura de Cubatão, que também apresentou uma exposição de fotos e documentos raros, organizada pelo jornalista Allan Nóbrega.

Aberto pela Banda Cartum, o evento realizado no Novo Anilinas teve a participação de diversos secretários municipais - entre eles o de Cultura, Welington Borges, representando a prefeita Marcia Rosa -; do diretor do filme, Diego Moura; do diretor de cinema e documentarista João Batista de Andrade, atual presidente do Memorial da América Latina; de Dojival - fundador da Associação das Vítimas da Poluição e das Más Condições de Vida; e de Diney Manoel de Souza, ex-presidente da Sociedade de Melhoramentos da Vila São José; além do presidente da seccional cubatense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Luiz Marcelo Moreira; e de outros convidados.

Mediado pelo jornalista Manoel Alves Fernandes, que participou da cobertura jornalística da tragédia de 1984, o debate começou com Diego Moura explicando a gênese do filme: "Um ano atrás, vi matéria no programa Fantástico (Rede Globo de Televisão) sobre os grandes incêndios ocorridos no Brasil nos últimos 50 anos. E Cubatão foi esquecida. Como estudante de cinema, não podia deixar passar esse fato". Ele também citou: "Se hoje quem não conheceu Vila Socó vê as fotos e chora, imagine as pessoas daquela época que viveram o incêndio". Diego, aliás, recebeu placa do secretário de Cultura com mensagem da prefeita Marcia Rosa em agradecimento pelo filme.

Welington observou que "a memória é algo que deve ser preservado. O incêndio é resultado histórico de uma época em que a população não participava da vida política, e é importante conhecer os fatos para que nunca mais ocorra uma tragédia como essa. Este ato de hoje é para que seja perpetuada essa memória".

Diney Manoel de Souza recordou que "onde hoje é a rua do acesso da Vila São José passavam os oleodutos a céu aberto. No dia 24 de fevereiro de 1984 começamos todos a sentir forte cheiro de gasolina. A maré estava alta de dia, e baixou à noite, mas então as palafitas estavam com os pés impregnados de gasolina. Eu temia acontecer o pior, vi pessoas com baldes recolhendo a gasolina e de repente houve a explosão, jogando água e gasolina para o alto, vi então pessoas pegando fogo. Corri, fui parar no Centro Esportivo. Pela manhã retornei à Vila Socó e vi pessoas chorando, desesperadas, bombeiros procurando corpos".

Ele continuou o depoimento: "Eu fazia aniversário naquele dia 25 de fevereiro, sempre com minha família. Comecei a procurar por ela... Depois, veio a luta pela moradia mais digna, fortemente reprimida pelas autoridades. Vinte anos depois, ninguém falava mais nada. Mas era algo que precisava ser recordado".

"Crime"

Dojival, que falou em seguida, não tem dúvida alguma em classificar como crime o que aconteceu em Vila Socó, pois "tudo o que aconteceu era absolutamente previsível. Desde o início do vazamento do oleoduto até a explosão, foram pelo menos seis horas, tempo suficiente para se evacuar toda a vila. Além disso, o vazamento ocorreu porque o oleoduto estava corroído e não havia uma política de manutenção das instalações".

Como observou, os judeus todo ano lembram do Holocausto da Segunda Guerra Mundial com um minuto de silêncio, e fazem questão que os filhos conheçam essa história. Em Cubatão, é preciso também criar esse minuto de silêncio todos os anos, para que os fatos não sejam mais esquecidos.

"Logo depois da tragédia, começou a Operação Abafa, uma das maiores já feitas no país. Era o fim do regime militar. Havia interesse em reduzir o número de mortos para 93, porque a tragédia comprometia a imagem do regime militar. Mas quem fala em 508 mortos nem são os moradores, foram os promotores das investigações realizadas logo depois. E eles explicaram que o corpo humano, submetido a 1.000 graus Celsius por 15 minutos, desaparece, vira cinzas. No incêndio da Vla Socó, a temperatura em meio às chamas era ainda maior e assim foi por várias horas, o que explica não serem encontrados mais corpos".

Comissão da Verdade

"É fundamental não esquecer, para agir. Propus hoje à Comissão da Verdade que este fato faça parte das investigações da Comissão da Verdade-SP, e a proposta foi aceita, divulgada em discurso de seu presidente na Assembleia Legislativa"

Dojival continuou: "Queremos saber por que o inquérito foi arquivado e os responsáveis por esse crime não foram punidos. Na época, houve inquérito, foi oferecida a denúncia para 16 pessoas. O presidente da Petrobrás, Shigeaki Ueki, foi nomeado embaixador na União Europeia para escapar do processo, e o prefeito Osvaldo Passarelli obteve habeas corpus. Os outros 14 seriam condenados a penas de 7 a 12 meses de prisão, na primeira instância, e absolvidos pelo julgamento em segunda instância. Ou seja, ninguém foi punido".

Vlado e Socó

O diretor de cinema João Batista de Andrade contou ter estado em Cubatão no dia seguinte à tragédia, produzindo um especial para a TV Cultura: "São imagens impressionantes, o filme é um registro crítico, com cenas muito pesadas, dramas terríveis. E ficou muito marcado na minha memória que as vítimas, apesar de todo o sofrimento, tinham medo da repressão militar, todos tinham medo de falar, mesmo sendo São Paulo um dos líderes da transição democrática nacional".

Colega de Vladimir Herzog, jornalista assassinado nos porões do DOI/CODI após ter se apresentado perante o inquérito policial-militar em São Paulo, João realizou 30 anos depois o filme "Vlado" (o apelido de Vladimir entre os amigos): "Meu filme começa no centro e São Paulo, na Praça da Sé, perguntando às pessoas o que elas sabiam da ditadura e da história de Vladimir. E as pessoas não sabiam nada! Precisamor por isso lutar, para que a memória não seja apagada e assim tais fatos nunca mais se repitam".

O secretário de Cultura anunciou que seu colega da Educação estava providenciando para que o filme de Diego Moura seja exibido em toda a rede escolar municipal, e fez ampla exposição sobre o contexto histórico e geográfico que resultou na tragédia de Vila Socó, lembrando: "Na década de 1970, início dos 80, combater a poluição era considerado o mesmo que combater o progresso, era ridicularizado. E foi em Vila Socó que isso começou a mudar".




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