Para ouvidor das polícias, tática usada pela PM em São Paulo cerceia direito de manifestação

`É inadmissível`, afirma Fernandes Neves. `A polícia só pode agir a partir do momento que acontece crime`

Por Rede Brasil Atual
Terça-feira, 25 de fevereiro de 2014


São Paulo – O ouvidor das polícias do estado de São Paulo, Júlio César Fernandes Neves, disse hoje (24) à RBA que a nova tática utilizada pela PM para reprimir a manifestação ocorrida no centro da capital no último sábado (22) é “inadmissível e inaceitável”, pois se trata de um “cerceamento ao direito de manifestação”. O ouvidor disse ainda que a falta de punição aos policiais que reiteradamente cometem abusos em protestos é uma mostra de politização das polícias e sugere que os comandantes sejam processados por prevaricação.

“Eles agiram antes de acontecer qualquer depredação, qualquer ilegalidade por parte dos manifestantes. Isso é inadmissível, inaceitável. A polícia só pode agir a partir do momento em que acontece o crime e não porque imagina que acontecerá um crime”, explica Fernandes Neves, cuja equipe está compilando as denúncias que chegam à Ouvidoria e as que foram publicadas pela imprensa. O próximo passo será encaminhá-las às corregedorias das polícias Civil e Militar. “Nós provocamos e cobramos, mas quem investiga e julga é a própria corporação. Vamos torcer para que haja punição”.

O ouvidor lamentou, porém, que excessos cometidos pela PM contra manifestantes jamais tenham redundado em sanções aos agentes envolvidos. De acordo com a assessoria de imprensa da Polícia Militar de São Paulo, nenhum policial recebeu punições por abusos cometidos em protestos na capital entre 2000 e 2013. Dados obtidos pela BBC por meio da Lei de Acesso à Informação, mostram que a PM ainda não condenou nenhum membro da corporação pela série de irregularidades cometidas em manifestações desde o último mês de junho.

“Por que não há punição? Porque quem chefia essas instituições está alinhado com o governo”, revela Fernandes Neves, propondo que os comendantes sejam cobrados na Justiça por não exercerem devidamente as funções públicas. “Eles teriam que ser processados em algum momento por prevaricação.” Para o ouvidor, a polícia erra ao continuar tolerando arbitrariedades. “O perigo de não haver punição é a quebra da legalidade, uma sombra do fim da democracia. Num estado democrático, isso não pode acontecer. Temos lei e a polícia não pode querer garantir a lei quebrando a lei. Fica caraterizado o abuso.”

Com um efetivo de 2,3 mil homens deslocado para monitorar um protesto contra a Copa do Mundo que reuniu aproximadamente 1,5 mil pessoas, a polícia resolveu cercar os manifestantes aproximadamente uma hora depois do início da passeata – e sem que tivesse ocorrido qualquer ato de vandalismo ou violência. Aos gritos de “senta! senta!” e ameaçando as pessoas com cassetetes, os soldados colocaram todos no chão e começaram a revistá-los aleatoriamente. Muitos foram agredidos com enforcamentos e chaves de braço, e passaram por revistas humilhantes. Uma jovem teve a camiseta arrancada, foi colocada de joelhos e ficou com a calcinha à mostra.

De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, 262 pessoas foram presas e conduzidas a distritos policiais da região. Como não tinham acusações, foram liberadas logo em seguida. A chamada “condução para averiguação” também tem sido criticada por advogados, porque é inconstitucional. Movimentos sociais acreditam que, ao registrar os manifestantes, a polícia tenta dissuadi-los da ideia de frequentar protestos públicos. Na semana passada, muitas pessoas receberam intimações para comparecer à delegacia na mesma hora e data do protesto de sábado.

Durante a manifestação, como de costume, havia também policiais sem identificação, numa atitude que, apesar de ferir as normas da Polícia Militar, não tem sido punida pela corporação. “Tal conduta (não usar identificação no uniforme) é uma das transgressões previstas no Regulamento Disciplinar da Polícia Militar (RDPM), Lei Estadual Complementar 893/01. Está tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma”, explica a assessoria de imprensa da PM, afirmando que é impossível saber se algum policial já recebeu sanções internas por apresentar-se anonimante em manifestações.

O ouvidor comentou ainda a agressão aos jornalistas da mídia tradicional e independente, que cobriam o protesto. De acordo com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), ao menos 14 repórteres foram impedidos de trabalhar por policiais no último sábado. “É um abuso, é uma afronta ao direito do jornalista de relatar um fato que está acontecendo, de exercer sua profissão. Não é a primeira vez. É recorrente e também não tem punição.”

Fernandes Neves afirmou ainda que, ao contrário do secretário de Segurança Pública, Fernando Grella, e do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, não avalia o operativo policial como um êxito. “O ouvidor quer que se assegure o direito de manifestação e não que a polícia, antes de qualquer quebra de ordem, aja e ainda machuque os manifestantes”, pontua. “Houve abuso de autoridade.” Em sua conta no Twitter, Alckmin disse: “a PM agiu com rapidez e inteligência e cercou os vândalos organizados antes que se espalhassem e provocassem depredações”, assumindo a ação preventiva da corporação.




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