Rolezinho pede mais diálogo

Portanto, a palavra-chave é uma só: diálogo. O papel da sociedade – sobretudo dos gestores públicos – é convidar os simpatizantes dos rolezinhos para conversar

Por Telma de Souza
Sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014


Ao assumir a Prefeitura de Santos, em 1989, a cidade padecia com a falta de espaços de lazer, sobretudo destinados aos adolescentes. Criar opções de entretenimento e capacitação para este público sempre foi uma de nossas preocupações. Certo dia, no ir e vir da atribulada agenda de prefeita, fui reconhecida, no trânsito, por um grupo de adolescentes. “Prefeita! Telma! Faz uma pista de verdade para a gente!”, gritava um deles, apontando para a Praça Palmares, no Canal 4.

Desci do carro e fui até a praça conversar com os garotos, que haviam construído, com as próprias mãos, rampas de madeira para andar de skate, numa época em que os esportes radicais ganhavam espaço no Brasil. Àquela altura, já havíamos implantado o pioneiro Programa ‘Bairros em Ordem’, que consistia em visitas periódicas às comunidades para apresentar cronogramas de obras e ouvir as necessidades de cada canto da cidade. Os jovens pouco participavam desses encontros, então, o anseio dos skatistas era uma novidade para mim.

Marquei uma reunião entre uma comissão de adolescentes e o secretário de Obras, o arquiteto Cláudio Abdala. Logo apresentamos um projeto aos garotos, com pista, rampas e equipamento convexo. Para nossa surpresa, o desenho foi rejeitado, pois nele faltava um halfpipe . Pedimos, então, que eles próprios complementassem a proposta, que foi devidamente lapidada e aperfeiçoada. Nascia, meses depois, a pista de skate da Praça Palmares, a primeira e mais tradicional de Santos, até hoje muito frequentada.

E o que isso tem a ver com os famigerados rolezinhos? Tudo! Nos dois casos, a atitude mais acertada por parte de uma autoridade é a promoção do diálogo. Foi o que fez o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, mesmo em meio ao fogo cruzado alimentado por argumentos, alguns plausíveis, outros preconceituosos, de setores da nossa sociedade.

O rolezinho nada mais é que é um fenômeno social. E não estou, aqui, a falar dos vândalos que saqueiam lojas e promovem agressões gratuitas nos centros de compras, o que deve receber nosso repúdio total. Falo de grupos como os dos jovens dispostos a passear e se divertir e que acabaram agredidos por policiais no Shopping Itaquera, nos primeiros dias do ano. É preciso discernir, com clareza, os dois grupos e suas reais intenções.

Este fenômeno, na verdade, expõe duas situações. A primeira é, sim, o preconceito, de classes e, por que não, o racial, na medida em que há argumentos contrários que – seja de forma explícita ou implícita – defendem ser possível identificar os “arruaceiros” pelas vestimentas ou cor da pele.

A segunda situação, que diz respeito diretamente aos gestores públicos, é a falta de áreas de lazer nas regiões periféricas. Ou seja, enquanto os rolezinhos ficaram restritos aos bailes funk, ou mesmo aos chamados bailes “Charme”, debaixo dos viadutos, ninguém se incomodou. Isso ocorreu apenas quando os jovens humildes decidiram dividir os mesmos espaços frequentados por pessoas de maior poder aquisitivo.

Qual é o lojista que não quer ver seu comércio cheio? O Brasil evoluiu, e as mudanças dos últimos anos permitiram à nova Classe C não só cobiçar, mas conquistar produtos de grife, ainda que pagos em suaves prestações.

Portanto, a palavra-chave é uma só: diálogo. O papel da sociedade – sobretudo dos gestores públicos – é convidar os simpatizantes dos rolezinhos para conversar. Entender o que pensam, o que querem, o que sentem e de quê se ressentem. Atitude espinhosa, sem dúvida, mas a única verdadeiramente democrática.

*Telma de Souza é deputada estadual, pedagoga, advogada e ex-prefeita de Santos




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