Gleisi pede voto de censura ao relatório do FED sobre economia brasileira

Segundo Pimentel, o Brasil tem a clareza da proteção do mercado interno brasileiro e do fortalecimento das empresas nacionais

Por Marcello Antunes, PT Senado
Terça-feira, 18 de fevereiro de 2014


Fazia tempo que a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado não produzia um debate aprofundado sobre os fundamentos da economia brasileira, que já ocupa a quinta colocação no mundo. Na manhã desta terça-feira (18), coube à senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) colocar o dedo na ferida, ao pedir que seja encaminhado para debate e votação em plenário um voto de censura ao capcioso relatório divulgado recentemente pelo Federal Reserve – o banco central americano – que afirma que o Brasil tem a segunda economia mais vulnerável de um conjunto de quinze países, atrás apenas da Turquia.

Gleisi desmontou o relatório do FED - que não tem uma metodologia clara - enquanto a oposição tenta utilizar esses dados no debate político. “Esse relatório é absurdo, compara países com situações econômicas diferentes entre si, e diz que as Filipinas estão em melhores condições que o México e Chile e a Tailândia melhor do que a Índia e a Indonésia. O problema é que esse relatório não aponta a metodologia utilizada, já que usou amostras de quinze países, o que é inferior ao mínimo exigido para se chegar a conclusões confiáveis”, afirmou.

O relatório semestral divulgado pelo FED na semana passada, chamado Monetary Policy Report - pode ser acessado pelo site do BC americano -, cita o Brasil em 11 oportunidades. Ao fazer sua apresentação ao Congresso americano, a nova presidenta do FED, Janet Yallen, se apegou às informações inconsistentes como forma de responder à plateia as duras críticas que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, fez no ano passado ao antecessor de Yallen, Ben Bernanke, e que foram endossadas pela diretora-gerente do FMI, Christina Lagarde.

Mantega alertava que o afrouxamento monetário dos países desenvolvidos, em especial os EUA, com a retirada de subsídios, representava ameaça para as economias emergentes, causando a depreciação do dólar e encarecendo as exportações, enquanto Lagarde anunciou que essa prática alimentaria fluxos de capitais especulativos e voláteis para as economias emergentes.

No debate de hoje, Gleisi apontou, por exemplo, que os dados usados pelo FED para construir “a tese” de vulnerabilidade beiravam o critério aleatório. “Não é fácil cotejar um documento sem transparência, sem conhecermos a metodologia que levou à classificação. O relatório usa seis agregados econômicos, saldo em transações correntes, relação dívida bruta com o PIB, inflação nos últimos quatro anos; variação do crédito em relação ao PIB; volume de exportações e o volume de reservas”, disse ela, ao estranhar as análises seguintes à divulgação desse relatório. “Qualquer análise macroeconômica precisa conter visão de médio e longo prazos e esse relatório não tem. Em 2013, o mercado de câmbio foi fortemente influenciado pelo FED e, com isso, o período selecionado no relatório reflete um momento de mudança da política monetária americana”, salientou.

Para a senadora, o FED extrapolou suas funções, por considerar que um banco central de um país não pode fazer avaliação econômica de outro. “A quem interessa a interferência?”, questionou, ao apontar que economistas, alguns até ligados a governos do PSDB, também desconsideraram as sinalizações equivocadas do FED americano sobre a vulnerabilidade do Brasil.

“O Brasil não inventou ‘subprimes’ (títulos americanos lastreados em hipotecas imobiliárias que criaram uma bolha especulativa no sistema financeiro americano). Muito pelo contrário, o Brasil sempre pautou sua política econômica em pressupostos firmes, com câmbio flutuante, responsabilidade fiscal e um sistema bancário dos mais sólidos do planeta”, disse ela – o Brasil é um dos primeiros países a adotar políticas de segurança bancária contra especulações previstas nos Acordos de Basiléia 1 e 2, ao passo que o BC americano se negou, até agora, a seguir.

Relatório inconsistente

O relatório do FED aponta que há crescimento do crédito bancário brasileiro em proporção do PIB, mas Gleisi que hoje essa proporção está em 56,5% do PIB, o que reflete o crescimento da economia brasileira, ao contrário dos percentuais verificados pela China, que está em 130% do PIB ou do percentual superior a 100% dos Estados Unidos. O déficit da conta corrente brasileira, também ao contrário de outros países, é 80% financiado por investimentos estrangeiros diretos (IED), e isso afasta qualquer sinal de vulnerabilidade. “Se fossemos incluir países avançados, muito provavelmente os Estados Unidos seriam a quinta economia mais frágil do mundo, porque o déficit em conta corrente supera 106% do PIB”, disse a senadora.

Ela citou, ainda, entrevista de um analista do banco americano JP Morgan, Andres Garcia Amaya, onde ele afirma que o Brasil já fez tudo o que tinha de ser feito em sua política monetária e, por essa simples razão, “não está no mesmo barco da Turquia, Argentina e outros países”, disse ele.

Debates

Contrário ao pedido de Gleisi a um voto de censura ao Federal Reserve, o senador Alvaro Dias (PSDB-PR) disse desconhecer o relatório mas defendeu o trabalho do BC americano: “suas previsões são frustrantes. O Fed tem acertado mais do que o ministro Mantega, que tenta escamotear as contas públicas e a economia do País, permitindo o que se vai construindo como se explode na Venezuela. Temos que considerar o Fed, remeter o trabalho para a outros especialistas insuspeitos. O que importa é que há um alerta”.

Ao ouvir essa colocação exagerada, o senador Armando Monteiro (PTB-PE) foi categórico: “não há qualquer fato que indica o Brasil em situação vulnerável como a Turquia. O Fed não é uma entidade infalível e há análises contaminadas de fatores conjunturais que nesses relatórios ganham dimensão que não são próprias. O Brasil não se encontra nesse quadro. E também não é realidade dizer que o Brasil se aproxima da Venezuela”, afirmou.

Monteiro lembrou que as reservas cambiais brasileiras, acima de US$ 376 bilhões, cobrem 18 meses de importações e esse cálculo de solvência é consagrado, enquanto em outros países emergentes o período é de cinco meses.

Outro tucano que defendeu o relatório do Fed foi o senador Aloyzio Nunes (PSDB-SP), ao declarar ser contra a proposta de criticar o banco central americano. “Esse clima de desconfiança se deve às acrobacias da Fazenda, à política de desindustrialização, ao intervencionismo. Acho descabida uma cruzada contra o Fed”, disse ele.

O senador José Pimentel (PT-CE), por sua vez, disse acreditar que este tema é fundamental para ser discutido pelo Congresso Nacional. “Devemos fazer um debate minuscioso, porque se o Fed fosse tão competente assim, não teria deixado o sistema financeiro americano quebrar em 2008. Mas fez vista grossa, foi conivente e até hoje não criou regras de segurança para o sistema bancário, ao contrário do Brasil, que já em 2005 o Congresso Nacional e a sociedade brasileira estabeleceram critérios de segurança e transparência”, apontou.

Pimentel enfatizou que na crise global de 2008 o Brasil não teve problemas porque já havia tomado medidas de segurança, transparência e garantia de liquidez do sistema financeiro. “O Fed estendeu a crise contaminando não só a economia americana, mas em especial a do mercado comum europeu, e de lá para cá o mundo tem pagado um preço muito grande. Hoje os Estados Unidos tem um endividamento acima de 100% do PIB, um dos maiores déficits em conta corrente e baixo superávit primário, só que transfere a outros aquilo que ele não faz”, criticou.

Segundo Pimentel, o Brasil tem a clareza da proteção do mercado interno brasileiro e do fortalecimento das empresas nacionais. “´Não é um debate entre oposição e situação. Mas geramos 1,1 milhão de empregos em 2013 sobre a base de 2012. É evidente que o desempenho do Brasil deixa muitas pessoas e países insatisfeitos, mas estamos com fortes investimentos em infraestrutura, estamos mudando marcos legais para garantir o crescimento econômico. Fizemos o debate do código florestal que permitirá que o Brasil se transforme no maior produtor do planeta sem afetas o meio ambiente. Fizemos, ainda, o marco regulatório dos portos, que dará agilidade no transporte de cargas. São projetos em que todo o Brasil é beneficiado”, afirmou.




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