Europa ensina: o que quer a direita?
Dizem na lata o que querem. Talvez aqui as coisas sejam facilitadas porque existe uma extrema-direita escancarada também, coisa de causar inveja a Bolsonaro e Feliciano, apesar de não ter conotação religiosa. Aliás, diga-se a bem da verdade, aqui não tem um ‘partido evangélico’. Se houvesse, seria escorraçado do Parlamento
Sábado, 8 de fevereiro de 2014
Mais uma vez o Brasil se curva ante a Europa. No Brasil, é difícil saber o que a direita quer. Em primeiro lugar, porque a direita não se assume como tal. Ninguém é de direita no Brasil. Segundo, porque a direita não pode dizer o que quer. Oculta seu programa, suas intenções. Tem de vir com blandícies, como "fazer mais e melhor". Não, a direita não quer fazer mais, nem melhor. Só se for mais e melhor para o capital rentista, para a privataria, para o realinhamento subserviente do Brasil com as potências do Ocidente.
Quem sabe assim, em vez de conseguirmos uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU, conseguiremos nos tornar um membro da Otan? De segunda categoria, é claro. Mas membro da Otan. Afinal, a Guiana Francesa, como Département d’Outre-Mer, não deixa de ser membro da Otan. Por que não nós? Mas, felizmente, na Europa há uma direita que não se envergonha de ser de direita. Embora por vezes também se apresente como “fora das quatro linhas da divisão entre direita e esquerda”.
Dizem na lata o que querem. Talvez aqui as coisas sejam facilitadas porque existe uma extrema-direita escancarada também, coisa de causar inveja a Bolsonaro e Feliciano, apesar de não ter conotação religiosa. Aliás, diga-se a bem da verdade, aqui não tem um ‘partido evangélico’. Se houvesse, seria escorraçado do Parlamento.
Bom, mas não perdendo o fio da meada, numa viagem de avião deparei com este pasquim neoliberal francês, chamado L’Opinion, que defende os pontos de vista da direita (aliás, o Instituto Millenium deveria citá-lo e colocar entre os favoritos, embora, em relação a ele, o L’Opinion apresente perigosos desvios ao centro). E lá (edição de 24/25 de janeiro, página 8), encontra-se a entrevista de Gérard Dussillol, presidente da Pôle Finances publiques de l’Institut Thomas Moore – um think tank que se apresenta como “europeu e independente”, fundado em 2004, com sedes em Paris e Bruxelas.
Msr. Gérard Dussillol deixa muito claro o que a direita quer. Mutatis Mutandis, é fácil realocar suas propostas no Brasil, sem a lenga-lenga medíocre dos arautos inconfessos da direita na velha mídia, nem o chororô lamentoso da ‘falta de programa’ (leia-se programa oculto na manga) que assola a direita institucional. O título do artigo de Dussillol é “Quinze medidas urgentes para voltar a crescer”. O seu objetivo, diz logo de saída, é conseguir o “retorno do crescimento, baixar o desemprego e recuperar as contas públicas”.
Apertem os cintos, liguem os motores, e vamos lá:
1 - Restabelecer uma fiscalização da poupança coerente e estimulante. O que significa isto? Cortar o incentivo fiscal da poupança sem risco (garantida pelo governo), para favorecer a ‘poupança de risco’ (aquela que se dirige à especulação), cujos ‘exageros de taxação’ devem ser reduzidos e cortados.
2 - Suprimir qualquer forma de imposto sobre as grandes fortunas.
3 - Anistiar o repatriamento de capitais, baixando as taxas sobre eles a ‘níveis aceitáveis’, de 15% ou 10% conforme os investimentos que desejem fazer.
4 - Aumentar as horas de trabalho, cortando a semana de 35 horas, e suprimir progressivamente as obrigações decorrentes de horas extras negociadas por ramo de trabalho.
5 - Baixar significativamente os encargos sobre folha de pagamento.
6 - Aumentar o número de referência de empregados para que as empresas sejam obrigadas a terem “comitês de empresa” com representação de trabalhadores (hoje 50 trabalhadores). Duplicá-lo – mas apenas para começar.
7 - Diminuir os encargos das empresas sobre os trabalhadores do setor de ‘atendimento pessoal’ a idosos, necessitados de atendimento especial, etc (em francês "aide à la personne").
8 - Cortar um terço de todas as “agências do estado”.
9 - Reformar (cortando) os gastos do seguro-desemprego.
10 - Reformar (cortando mais ainda) as aposentadorias.
11 - Reformar ‘em profundidade’ o sistema de formação profissional. O que significa isto? Cortar profundamente as obrigações das empresas em financiar, através de impostos, as atividades de formação profissional para jovens trabalhadores, trabalhadores que queiram se reciclar ou desempregados.
12 - Estabelecer a igualdade no sistema de ‘jour de carence’ entre o setor público e o setor privado. O que quer dizer isto? No setor privado, quando um trabalhador entra em licença para tratamento de saúde, a empresa não é obrigada a pagar-lhe os três primeiros dias de ausência. No setor público, Sarkozy introduziu um dia de carência, coisa que o governo atual suprimiu. Agora Msr. Dussillol defende: “Egalité! Fraternité! Humanité”! – mas sem “Liberté”: três dias de carência para todos! E isto será só o começo.
13 - Suprimir a “ajuda médica do Estado”, que hoje cobre toda e qualquer pessoa que viva em território francês. Isto, segundo ele, é uma hipocrisia. O Estado pode negar papéis a imigrantes ilegais, ou mesmo a regularizar a sua situação, mas em compensação lhe oferece auxílio para tratamento médico em caso de necessidade. O que fazer? Cortar o auxílio médico, ora! Economia: de 600 a 800 milhões de euros por ano.
14 - Suprimir vários departamentos (equivalentes aos nosso estados), comunas, reunificar tudo, cortar o número de eleitos, etc. Em suma, (agora digo eu) voltar aos tempos em que a França era recortada em feudos, e quanto maiores, melhor...
15 - Cortar na carne (ou na argamassa) no sistema de habitações populares, privatizando um terço das já existentes e bloqueando novos investimentos no setor.
É ler para crer. Depois de ler, é só adaptar as propostas para o nosso Brasil. E se você quiser abençoar um programa destes, escolhendo no futuro quem o defenda sem defendê-lo, é só apertar o cinto. Dos trabalhadores, é claro. Depois, sair voando.