Dicionário espanhol irá eliminar definições de palavras consideradas machistas
Edição de 2014 da publicação da Real Academia Espanhola, que será lançada em março, revisou ao menos 10 palavras
Quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014
Vem aí, em março deste ano, uma nova edição de um dos livros mais consultados do mundo: o dicionário da Real Academia Espanhola (RAE). Dessa vez, com uma novidade importante. Não são poucos os que falam espanhol no mundo -- a língua é a terceira mais popular --, como também são muitas, infelizmente, as definições que o dicionário da RAE contém com referências machistas. Nessa nova edição, a instituição irá eliminará uma série de definições como as seguintes: “feminino - débil, fraco”, “perequitar - dito de uma mulher que desfruta de liberdade excessiva” e “gozar - conhecer carnalmente uma mulher”.
Como se pode perceber, o plano é revisar ao menos 10 palavras que possam ter menções consideradas machistas em alguns de seus significados. Nada disso, afirma Darío Villanueva, secretário da RAE, tem a ver com eliminar do dicionário todas as palavras que possam resultar ofensivas: “O que o Dicionário da Língua Espanhol nunca fará é suprimir palavras que se usam porque são ofensivas ou desagradáveis. Isso não podemos fazer. Seria o fim do dicionário e o começo de uma sequência sem fim”. Mas, se o dicionário não ofende, por que empreender uma campanha contra o machismo? “O que acontece é que, com o passar do tempo, a sociedade evolui, e certos termos vão deixando de ser vigentes”, explica.
Outra pergunta interessante é então, diante de tantas frentes de evolução social, por quê combater o machismo?
Quem deu sua explicação sobre o tema para a BBC Mundo foi a professora María Auxiliadora Barros, da Faculdade de Filología da Universidad Complutense de Madrid: “A maioria dessas acepções foram feitas por pessoas muito cultas, mas que não tinham nenhuma formação em lexicografia, tampouco em literatura, e descreviam nas fichas das palavras o que se refletia na sociedade”. E faz questão de esclarecer que o dicionário não pode ser acusado de machista, porque ele é reflexo de uma sociedade. “O dicionário não é sexista, nem o espanhol. É a cultura. Nas atas onde ficavam registradas as reuniões, dá para ver que a Academia se baseava mais no uso que era dado para as palavras que ao que tratavam de inventar os acadêmicos”, afirmou Barrios, que também é secretária da Fundação Doctor Paz Varela.
Trabalhadores e trabalhadoras
Outra revisão em processo para a nova edição é a inclusão do gênero feminino ou masculino em determinadas profissões, como “alfarero-ra” (ceramista), “enterrador-a” (coveiro), “costalero-ra” (tipo de carregador que leva nos ombros imagens religiosas em uma procissão) e “herrero-a” (serralheiro).
É uma iniciativa que revive a polêmica de incluir ambos os sexos nos discursos escritos e falados ao se referir a uma pessoa, como solicitaram diversas organizações que defendem a igualdade de gêneros. “Uma coisa é o machismo intencional, como quando dizem ‘morreram dois suecos e suas esposas’, e outra coisa é a correção gramatical: os irmãos, os filhos, os colombianos. Isso se chama gênero não marcado e vem do latim”, esclareceu a professora à revista colombiana Arcadia.
A nova edição do dicionário da RAE terá cerca de 93 mil vocábulos, 5 mil a mais que a anterior. Sua luta para se adaptar aos novos tempos e abandonar a promoção do pensamento machista reforçou o interesse de grupos, por exemplo, religiosos, em eliminar termos que consideram ofensivos. Um caso é associar “jesuíta” a “hipócrita e astuto”.
Talvez neste caso a discussão seja outra, mas a Academia a trata com empenho. “Viemos contendo esse tipo de definições afins a certas crenças e contra outras, porque vivemos em uma sociedade laica, aberta e de opções religiosas diversas”, conclui José Manuel Sánchez Ron, membro da RAE.