Portugueses pedem renegociação da dívida sem empobrecimento
O movimento entrega a petição ao vice-presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, na tarde desta quinta, em conjunto com uma documentação técnica que justifica a “urgência” da renegociação da dívida, do ponto de vista da IAC
Quinta-feira, 30 de janeiro de 2014
A Iniciativa para uma Auditoria Cidadã (IAC) à Dívida Pública portuguesa encaminhou uma petição, em maio de 2013, entregue nesta quinta-feira (30) ao Parlamento de Portugal, depois de conseguir seis mil assinaturas. O documento, intitulado “Pobreza não paga a dívida: renegociação já!”, pede a avaliação de impactos e de obstáculos para apontar caminhos em que o Estado renegocie a dívida pública com todos os credores privados e oficiais.
O movimento entrega a petição ao vice-presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, na tarde desta quinta, em conjunto com uma documentação técnica que justifica a “urgência” da renegociação da dívida, do ponto de vista da IAC.
De acordo com o jornal português Público, no relatório que acompanha a petição, “são apontados os desafios, as dificuldades e os obstáculos que têm de ser tidos em conta num [eventual] processo de reestruturação”, ou seja, um corte na dívida do Estado que faça recuar a sua proporção em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) para níveis considerados sustentáveis, de acordo com o economista e investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra José Castro Caldas.
Caldas esteve diretamente envolvido na elaboração do documento como membro do movimento e como subscritor. No texto, explica, são cruzados números sobre a trajetória da dívida pública (204,3 bilhões de euros previstos para o final do ano passado, equivalente a 127,8% do PIB, segundo os critérios da União Europeia), descritas algumas implicações de um processo de renegociação.
Entre as implicações, o texto afirma a necessidade de proteger os pequenos aforradores e a Segurança Social das perdas a serem assumidas com um corte da dívida. É ainda defendido que nem todo o tipo de reestruturações serve o interesse de Portugal.
As políticas determinadas pelos credores internacionais (Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional, a chamada “troika”) são frequentemente denunciadas pela população, principalmente pela esquerda europeia, devido à prioridade dada aos cortes de gastos públicos, geralmente resultantes no ataque às conquistas populares e aos serviços sociais.
Isabel Castro, membro da comissão da IAC e ex-deputada pelo Partido Ecológista “Os Verdes” (PEV), diz que as reestruturações de dívida pontuais que ocorreram já depois da entrada da troika em Portugal (como trocas de dívida, reduções das taxas de juro dos empréstimos ou a extensão dos prazos de reembolso das tranches garantidas pela União Europeia) não são suficientes e é preciso discutir abertamente uma solução que faça baixar a dívida, mesmo admitindo riscos no curto prazo.
“Não podemos estar cortando em serviços públicos e exigindo sacrifícios que atingem a dignidade humana, quando todo o dinheiro dos brutais sacrifícios é para pagar uma dívida a que estamos amarrados.”
Debater soluções e combater o empobrecimento
Há campo para várias soluções, mas “nem todas servem a Portugal”, completa Castro Caldas, dando como exemplo o caso da Grécia, onde o corte da dívida pública abrangeu apenas a dívida que estava nas mãos do setor privado.
Uma vez que o corte no montante da dívida “que afeta só os credores privados” implica que estes assumam perdas em proporções maiores, defende o envolvimento de todos os credores, com excepção dos pequenos aforradores, a Segurança Social e outros investidores públicos. É que, com a concessão do empréstimo da troika, os chamados "credores oficiais" (FMI e UE) assumiram um peso significativo no total da dívida do Estado, reduzindo a exposição dos privados em termos percentuais.
Para reduzir a dívida para “um nível sustentável”, disse, foi equacionado um corte de 50% na dívida do Estado, ou seja, a anulação de metade dos 204,3 mil milhões de euros de dívida. Mas, para poupar os pequenos aforradores e a Segurança Social, o corte total a aplicar teria de se situar entre 50% a 60%, explica Castro Caldas.
Isabel Castro diz que no movimento “há grande diversidade de abordagens” em relação a diferentes propostas — quem defenda que é preciso “repensar a posição de Portugal” na zona euro ou quem fale na necessidade de a moeda única ter uma arquitetura diferente que “permita compensar diferentes ritmos, nomeadamente a algumas economias da periferia”.
Os temas serão abordados num debate na tarde desta quarta-feira no Centro de Informação Urbana de Lisboa. Isabel Castro explica que a “a petição anda à volta de uma constatação: a de que a austeridade não é capaz de resolver o problema do endividamento e que, considerada a situação [portuguesa] desde 2010 e de forma mais nítida com a intervenção da troika, o que se verifica é que os sucessivos cortes se estão a traduzir em desigualdades sociais, empobrecimento, emigração e fuga de massa crítica”, sem que a dívida tenha sido reduzida.