Ordem pra quem?

Proibir os rolezinhos é tornar mais evidente que estamos entrando em uma guerra geracional. Não estamos buscando convivência pacífica. Estamos partindo para o confronto direto. É o recado de uma geração de que não aceitará o comportamento da outra, que em contra partida responde que não ta nem ai pro que eles pensam

Por Rodrigo Japa
Segunda-feira, 27 de janeiro de 2014


Em busca da chamada “ordem” shoppings de diversas cidades de São Paulo tem ganhado na justiça o direito de proibir a entrada daqueles que eles julgam serem os responsáveis pelos chamados “rolezinhos”. Alegam que a grande concentração de jovens em seus estabelecimentos e a forma como se comportam ferem o direito de ir e vir dos demais cidadãos além de ameaçar a segurança de lojistas. Para entender mais esse momento da nossa recente e dinâmica história precisamos olhar pra trás, para a passada e morosa história.

Fazendo um comparativo dez anos (de 2000 a 2010) tivemos mudanças drásticas no País, principalmente quando se trata de geração de emprego, acesso a cursos superiores e inclusão social. Tivemos também mudanças no comportamento e na forma de se comunicar. Uma geração nasceu um pouco antes, ou durante, toda essa transição. Essa geração não sabe, ou não lembra, o que era o Brasil em 2000. São filhos de uma nova condição econômica e social, de um novo conceito de País. Algumas mudanças boas, outras nem tanto assim. Entender essas nuances nos ajuda a entender um novo padrão de comportamento.

Educação: Passamos por tempos de trevas no ensino público. As escolas estaduais, que oferecem ensino fundamental e médio, estão em estado calamitoso, com um conteúdo defasado, professores desvalorizados, infraestrutura questionável. Falta segurança. A progressão continuada forma jovens sem conteúdo acadêmico. A escola passa a ser um espaço de passagem e perde seu principal papel de educar. Em contraste com essa situação alarmante acompanhamos o crescimento na oferta de cursos universitários gratuitos para jovens de baixo poder aquisitivo. Esse crescimento se deve a construção e ampliação das universidades federais, a construção de escolas técnicas e a programas como o PROUNI, o FIES e o Ciência Sem Fronteiras. São 1,5 milhões de jovens atendidos, que tiveram acesso ao ensino superior por algum desses canais. Esse fenômeno provocou inclusive alto investimento dos setores privados, fazendo com que um grande número de universidades aumentasse a oferta e diminuísse o custo de seus cursos. Mesmo levando em consideração a condição precária do ensino regular o jovem hoje já tem a extensão universitária como realidade, não como um mero sonho difícil de se alcançar.

Emprego e Economia: Com taxa de desemprego na casa dos 5% e salário médio acima de R$1.500,00 o poder aquisitivo do povo brasileiro aumentou. O jovem de periferia de 2000 em nada se parece com o jovem de periferia de hoje. Se antes esse jovem passava dificuldades para adquirir itens básicos de sobrevivência, hoje ele pode ir um pouco mais além, adquirindo produtos que antes eram vistos como exclusivos das classes sociais mais elevadas. A molecada hoje quer se vestir bem. Querem ter seu vídeo game, seu carro, sua moto. Com o aumento da oferta de emprego e dos salários tudo isso deixa de ser apenas um desejo e transforma - se em realidade. A migração de uma parte da população para a chamada “nova classe média” é um marco para a economia brasileira, mudando drasticamente os padrões de consumo e o poder aquisitivo dessas pessoas.

Comportamento: Padrões familiares e concepções sobre o uso do corpo e a sexualidade também sofreram uma mudança significativa. O casamento sai do papel para se transformar em união estável. O sexo por prazer ou por experimentação, sem sentimento, tornou-se muito mais comum do que era anos atrás. Hoje se discute sexualidade mais abertamente, rompendo-se as barreiras da tradição e fundamentalismo e tornando comum a união de pessoas seja lá qual for seu gênero ou cor. Isso é praticado, falado e cantado.
Cultura: A cultura de um povo reflete seu momento atual. Cantamos, versamos, pintamos, escrevemos, sobre nossa realidade, angustias, frustrações e desejos. Portanto nada mais natural que um País que sofre mudanças tão acentuadas tenha isso refletido em sua cultura, principalmente nas áreas da sociedade que sofreram maior mutação. Temos como símbolo dessa mudança o funk ostenção. Uma nova realidade de sociedade marcada por uma nova maneira de se expressar culturalmente.

Comunicação: A internet mudando a forma como interagimos, nos organizamos e recebemos informações.

Vivemos hoje um conflito geracional. O País mudou rápido, o comportamento da sociedade mudou rápido, e a cabeça de muitos não mudou. Aprenderam que pedra se chama pedra e hoje não aceitam que outros chamem de cascalho. Preceitos comportamentais e de moral, que muito eram influenciados ou diretamente pautados pela religião, hoje não são mais observados. A “antiga classe média” tem problemas em aceitar o comportamento da “nova classe média”. A gíria, o corte de cabelo, a roupa, tudo mudou. Não se trata de analisar se é pra melhor ou pra pior. Se trata de entender que mudou. E que não tem volta. A rebeldia inerente da juventude se apresenta hoje de outras formas, com outra cara. E não adianta dizer que é menos politizada, sem causa, amoral. Aliás, admitir que os movimentos sociais atuais (sim, o roelzinho é um movimento social) são despolitizados é admitir também a falha de uma geração na formação dos mais jovens. É admitir que uma geração inteira se preocupou tanto em se intelectualizar que se esqueceram que conhecimento bom é conhecimento compartilhado e curtido. Que guardar nossas conjecturas em uma caixa ou compartilharmos apenas com nossos pares não permite que elas produzam frutos. Conhecimento deve ser compartilhado em perfil público, para que todos possam curtir e comentar.

Nossos gestores públicos tem que mudar o conceito arcaico de gestão, que olha para a cidade como canteiro de obras e esquece de seus ocupantes. O Brasil avança a passos largos em infra estrutura e economia mas os governantes locais precisam dar atenção ao desenvolvimento humano, fato esse que nunca teve atenção dos eleitos gestores. Devem parar de oferecer ao povo aquilo que acham que o povo necessita. Precisam ouvir e, principalmente, compreender. Quando um jovem diz que a cidade precisa de uma praça gestores entendem que ele quer um espaço aberto, com grama e bancos. Mas o jovem ta dizendo que quer encontrar os amigos, quer se comunicar, trocar experiências. Quando o jovem liga o som do carro na rua e se juntam para curtir o funk o poder público o vê como ameaça para a “ordem”. Não consegue enxergar que é ele o responsável pela falência dos espaços de convivência e pela falta de oferta de espaços para experimentação. E quando o poder público resolve discutir “juventude” junta meia dúzia de velhos que se acham intelectuais e que vêem os jovens como um problema, e não como sujeitos de direito, e montam estratégias mirabolantes para “controlá-los”.

Proibir os rolezinhos é tornar mais evidente que estamos entrando em uma guerra geracional. Não estamos buscando convivência pacífica. Estamos partindo para o confronto direto. É o recado de uma geração de que não aceitará o comportamento da outra, que em contra partida responde que não ta nem ai pro que eles pensam. Esse conflito, organizado ou não, tende a ser mutável. Ontem manifestações, hoje rolezinhos. E amanhã? Devemos parar de tentar resolver o problema com ações paliativas. É necessário repensar a política, respeitando esse novo traço comportamental. E respeito é a palavra. Enquanto tentarem manter a “ordem” evidenciarão apenas a “desordem” que provocaram. E bora dar um rolezinho?

*Rodrigo Japa é membro da Secretaria Estadual da Juventude do PT-SP




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