Ao propor uma outra cidade, Haddad desperta a ira dos conservadores

Ação do governo Alckmin na Cracolândia deixa claro que há dois projetos políticos distintos em São Paulo

Por Marcelo Hailer, SpressoSP
Sexta-feira, 24 de janeiro de 2014



A ação realizada pelo Denarc (Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico) na Cracolândia nesta quinta-feira (23) expôs um fato político que já estava sendo cozinhado desde que o prefeito Fernando Haddad (PT) foi eleito, derrotando José Serra (PSDB), o candidato da elite paulistana: a cidade de São Paulo não pode mudar.

O mote da campanha de Haddad foi a proposta de uma outra cidade, pautada pela mobilidade urbana e um governo participativo a partir do prisma da diversidade, marca da pauliceia.

Porém, a história nos mostra que tal tarefa nunca foi fácil, vide os governos Luiza Erundina (89-92) e Marta Suplicy (01-04) que, mesmo com alta taxa de aprovação, não se reelegeram e para isto vários fatores explicam: hegemonia tucana no Estado e uma imprensa a serviço do que há de mais conservador (manter as coisas como estão) no que diz respeito a pensamento político. E isto não pode ser ignorado. Como diz o velho ditado: São Paulo não é para amadores.

O primeiro atrito da gestão Haddad com os setores conservadores de São Paulo foram as faixas exclusivas para os ônibus. Como assim, priorizar o transporte público? Em uma cidade que historicamente foi pautada pelo lógica do transporte individual, romper com este paradigma não é pouca coisa. E, pra piorar, quando os institutos de pesquisas foram averiguar o que o povo estava achando disso (com a certeza de que teriam um resultado positivo, no sentido de reprovação das faixas), caíram do cavalo: Ibope e DataFolha deram o mesmo resultado: 80% da população aprovou.

Na sequência, a prefeitura anuncia o início do projeto “Praças Digitais”, que consiste em dar sinal Wi-Fi de graça nas praças públicas. Mais uma vez: como assim, dar internet de graça? E lá veio outra campanha dizendo que seria uma furada e que o sinal vai ser uma porcaria. E o prefeito Haddad acaba de anunciar que até junho deste ano teremos 126 pontos/praças com sinal Wi-Fi liberado.

E agora o cerne da questão: depois de seis meses de estudo e aproximação com os moradores da Cracolândia, teve início o programa “Operação Braços Abertos”. Calcada na lógica da redução de danos, o programa recebeu 400 usuários de crack para oferecer trabalho, renda e moradia. E as duas primeiras semanas mostravam que estava dando certo e que tinha tudo pra seguir adiante e criar um novo paradigma no que diz respeito às drogas e usuários. Mas eis que chega o governo do Estado São Paulo, comandado por Geraldo Alckmin, e intervém na região com força policial, e o programa pode voltar à estaca zero.

A intervenção realizada pelo governo tucano na Cracolândia é coisa pensada para afundar o programa “Braços Abertos”. E por quê? Ora, se o programa tem êxito é fato que sua experiência vai se espalhar para outras cidades e Estados. Assim como aconteceu com os CEUs e os Telecentros (gestão Marta). E com isso se tornar vitrine política para a eleição deste ano e para 2016. O mesmo vale para as “Praças Digitais”, que podem se espalhar pelo Brasil afora. Portanto, não pode dar certo.

Estes três programas desconstroem a lógica na qual os paulistanos estão acostumados: a pagar por tudo, o Estado não pode oferecer transporte de qualidade, internet de graça e redução de danos aos usuários de drogas. Vale a lógica da repressão e de “combate ao tráfico”. Portanto, a gestão Haddad, ao apostar pesado nestas três ações, estourou o vespeiro conservador: político, social e midiático. E a intervenção do governo Alckmin na Cracolândia é o sinal mais claro disso.

O prefeito Fernando Haddad classificou como “lamentável” a ação do governo tucano. É preciso mais do que isso. O cenário político de São Paulo é um dos mais tensos e complexos do Brasil e, achar que teria apaziguamento com os tucanos e com a elite paulistana, é uma ilusão política.

Mas, este cenário é útil e por que não pedagógico: ao intervir na Cracolândia para acabar com o programa “Braços Abertos”, o governo tucano faz o favor de deixar claro que há dois projetos políticos encaminhados em São Paulo: de um lado a ode ao conservadorismo, manter tudo como está, políticas higienistas, uma Polícia Militar que só faz impor medo, educação sucateada; do outro, uma proposta por uma outra cidade possível: com o Estado presente, tratamento humanizado aos usuários de drogas, educação fortalecida e transporte de qualidade. 2014 começou de fato agora.

E você ainda acha que tudo é igual?




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