Pressionados a votar "sim", egípcios vão às urnas referendar Constituição e apoio ao Exército

Consulta deve indicar se Egito aprova rumos do país após deposição de Mursi; nova Carta fortalece mais os militares

Por Opera Mundi
Terça-feira, 14 de janeiro de 2014


A população egípcia começa nesta terça-feira (14/01) a decidir se aprova ou não a sua nova Constituição. A votação, que vai se estender por dois dias, é tida como um referendo informal sobre os rumos que o país tomou após a deposição de Mohamed Mursi, presidente eleito democraticamente e destituído pelo Exército em julho. Por meio de uma intensa campanha política milionária e a perseguição ferrenha a seus opositores, o governo interino tem exercido forte pressão em defesa do “sim”: referendar a nova Carta Constitucional — a terceira em quatro anos — seria um ato de patriotismo para a estabilização do Egito, que sofre com fragilidade política desde a revolução que encerrou as três décadas de Hosni Mubarak no poder, há três anos, no início dos levantes da Primavera Árabe.

O rascunho da nova Constituição foi feito por um comitê de 50 pessoas indicadas pelo comando militar que governa o país interinamente desde julho. Entre as suas principais mudanças, o texto traz artigos que dão ainda mais poder ao Exército. Caso seja aprovada, a Carta prevê que, pelos próximos oito anos, o alto comando militar tenha a palavra final na indicação do ministro da Defesa.

Além disso, também passaria a existir a possibilidade de que civis fossem julgados por tribunais militares. E ainda: o orçamento do Exército ficaria alheio ao escrutínio popular, já que sua aparição nas contas nacionais estaria sob uma única rubrica, sem especificar de maneira transparente o destino dos gastos.

Por outro lado, o novo texto retira alguns artigos pró-islã que haviam sido aprovados na Constituição de Mursi, referendada em dezembro de 2012. Mas, ainda assim, restringe a liberdade religiosa apenas às três religiões abraâmicas — judaísmo, cristianismo e islamismo.

"Não existe 100% em democracias", sustenta à rede BBC o diplomata veterano Amr Moussa, presidente do comitê que rascunhou a Constituição. "Fizemos tudo o possível para preservar e promover a democracia, mas há artigos e situações com as quais precisamos lidar, tendo em mente a segurança da nação e do povo."

No cenário político egípcio, o apoio ao “sim” é sustentado por uma coalizão de partidos seculares, pelo empresariado pró-Exército e também pelo partido ultraconservador salafista Al Nour, ex-aliado de Mursi. A massiva propaganda empregada dá indícios de que a aprovação da Constituição é mais importante do que o seu conteúdo em si, pois deverá abrir caminho para as eleições presidenciais e parlamentares e, quem sabe, a consolidação de instituições democráticas no Egito.

"O `sim` significa que podemos mostrar ao Egito e ao mundo que estamos cumprindo com o nosso compromisso de um Estado democrático", disse ao jornal The Guardian Ahmad Sarhan, porta-voz do partido de Ahmed Shafik — premiê durante a era Mubarak e derrotado por Mursi nas eleições presidenciais de 2012.

Recentemente, o general Abdel Fatah al-Sisi, chefe do Exército e principal liderança militar na deposição de Mursi, já deu indícios claros de que está disposto a se candidatar à presidência do país. Muitos enxergam que a aprovação da população à Constituição dará a credibilidade e o suporte necessários para que al-Sisi dê vazão às suas ambições políticas. As instituições militares no Egito têm grande popularidade e aceitação.

Entre os grupos que rejeitam a nova Constituição, há uma divisão entre votar “não” e boicotar o pleito. A Irmandade Muçulmana, grupo do presidente deposto, já avisou que não comparecerá ao referendo — participar significaria “dar legitimidade ao golpe que depôs Mursi”. Desde julho, o grupo islâmico vem sofrendo perseguições sistemáticas do Exército. Em dezembro, o governo classificou a Irmandade Muçulmana como “organização terrorista” dando início a uma série de prisões de centenas de membros e partidários do grupo.

O “não” também é defendido pela esquerda egípcia e por grupos seculares como o Movimento Seis de Abril, notório por fazer oposição aos governos autoritários de Mubarak e, depois, de Mursi. Para eles, essa não é exatamente a Constituição revolucionária que esperavam após a deposição seguida de dois presidentes. "Essa Constituição vai nos levar de volta ao regime de Mubarak e a seu governo repressivo no Egito", disse Ramy Sayed, membro do movimento.

Oficialmente, as autoridades egípcias defendem que todos os cidadãos são livres para votar como quiserem. Contudo, muitos apoiadores do “não” têm sido impedidos de fazer campanha pela sua posição. Três membros do partido islâmico centrista Egito Forte — que também rechaça o referendo — foram presos apenas por distribuir panfletos no centro da capital Cairo, na última semana. Outros sete ativistas também foram detidos por ter pendurado cartazes defendendo os direitos civis e a liberdade de expressão.

“Cidadãos egípcios deveriam ser livres para votar a favor ou contra a nova Constituição, e não temer detenções por simplesmente fazer campanha pelo ‘não’”, disse Joe Stark, membro de uma organização de direitos humanos.




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