No Peru, debate sobre concentração midiática esquenta após ampliação de grupo
El Comércio agora detém mais de 70% do mercado. Presidente criticou fusão: "Quem ameaça a liberdade de imprensa?"
Terça-feira, 7 de janeiro de 2014
O ano de 2014 já começou com um intenso debate sobre a concentração dos meios de comunicação no Peru, envolvendo até o presidente do país, Ollanta Humala. O chefe de Estado criticou em entrevistas a compra pelo Grupo El Comércio, no ano passado, da maior parte das ações da Empresa Periodística Nacional S.A., conhecida como Epensa, e sugeriu que o tema seja discutido no Congresso.
Nesta terça-feira (7), o deputado da base aliada Manuel Dammert confirmou que o grupo parlamentar Ação Popular – Frente Ampla irá elaborar e apresentar um projeto de lei contra a concentração de meios no Peru. “É uma vergonha que um grupo seja praticamente dono dos meios de comunicação. Isso é perigoso”, disse Humala no fim do ano passado. No dia 2, ele questionou: “Quem ameaça realmente a liberdade de imprensa? Aquele grupo empresarial que compra os meios de comunicação ou o presidente da República?”.
Na campanha presidencial de 2011, o então candidato da chapa de esquerda Ganha Peru propôs em seu plano de governo a discussão de uma Lei de Meios ao estilo das aprovadas pelos Congressos da Argentina e Equador, “que estabeleça uma divisão equitativa e plural dos meios entre diferentes formas de propriedade (privada, pública e social)”. No entanto, a proposta foi descartada após reação do setor, principalmente por parte do El Comércio.
As ações da Epensa foram compradas pelo equivalente a R$ 40 milhões, fazendo com que o El Comércio passe a deter 78% do mercado de jornais peruanos, de acordo com a Sociedade de Empresas Jornalísticas do Peru. Para efeito de comparação, na França, uma empresa ou pessoa não pode controlar mais de 30% do mercado, enquanto na Itália esse limite é de 20%.
Um dos mais antigos do país, com circulação diária de 94 mil exemplares, o El Comércio interpretou as declarações do presidente como uma “ameaça velada à liberdade de imprensa”, enquanto a líder do Partido Popular Cristão e ex-candidata presidencial, Lourdes Flores Nano, qualificou como um ataque “aberto” ao jornalismo livre.
Diversos oponentes de Humala manifestaram apoio ao El Comércio, como a ex-candidata Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori – acusado de subornar proprietários de mídia nos anos 1990 em troca de uma cobertura favorável –, e o ex-presidente Alan García. O Instituto para Imprensa e Sociedade, grupo de defesa da liberdade de expressão com sede em Lima, declarou que, mesmo que a concentração de mídia seja um risco potencial para a liberdade de expressão, o governo deve ficar fora do debate.
Apoio
Principal concorrente do El Comércio, o grupo La República Publicaciones, que detém 17% do mercado e tentou comprar as ações da Epensa para justamente equilibrar o setor, tem feito campanha e recorreu à Justiça peruana para que seja cancelada a compra. Em novembro, um grupo que inclui o diretor do La República e outros jornalistas conhecidos, abriram uma ação contra o El Comércio alegando práticas de monopólio.
Segundo a Constituição peruana de 1993, “as empresas, os bens e serviços relacionados com a liberdade de expressão e comunicação não podem ser objeto de exclusividade, monopólio ou acumulação”. No entanto, de acordo com uma pesquisa do jornalista peruano Ricardo Uceda, publicada na revista Poder, no Peru não existem limites legais à expansão dos meios impressos, diferentemente das emissoras de televisão e rádio.
Quem também é contra a fusão é o escritor peruano Mario Vargas Llosa, que apoiou Humala durante a campanha em 2011. Na ocasião, ele tirou sua coluna do El Comércio após acusações de que estava “manipulando informação”. Seus textos agora são publicados no La República. Llosa classificou o domínio do mercado peruano pelo El Comércio de uma “potencial ameaça à democracia”.
Segundo o pesquisador e jornalista argentino Martín Becerra, o Peru tem atualmente um dos índices de concentração do setor de imprensa mais elevados do mundo. Em âmbito regional, é seguido pelo Chile, cujo mercado editorial conta com o duopólio de El Mercurio e La Tercera.