As derrotas da mídia na América Latina

As recentes mudanças legais na Argentina, Equador e Uruguai se somam as que já estavam em vigor na Venezuela – o primeiro país da região a encarar este tema estratégico –, Bolívia e Nicarágua. Não é para menos que o rebelde continente latino-americano é hoje maior entrave ao poder dos monopólios da mídia

Por Altamiro Borges, em seu blog
Segunda-feira, 6 de janeiro de 2014


Em 2013, a América Latina se manteve na vanguarda da luta pela regulação da mídia. A região conhece bem os estragos causados por uma mídia concentrada e manipuladora. Os golpes e ditaduras que infelicitaram o continente foram bancados pelos veículos de impressa. O neoliberalismo que dizimou a região também foi apoiado por este setor. Já os governos progressistas nascidos da luta contra as chagas neoliberais tiveram como principal opositor o “Partido Imprensa Golpistas (PIG)”. Nada mais natural, portanto, que a regulação se tornasse uma exigência democrática.

Ley de Medios da Argentina

A derrota mais sentida pelos barões da mídia no ano passado se deu na Argentina. Em outubro, finalmente a Suprema Corte do país declarou a constitucionalidade de quatro artigos da “Ley de Medios” que eram contestados pelo Grupo Clarín, principal império midiático da nação vizinha. Esta decisão histórica permitiu que o governo de Cristina Kirchner prosseguisse com a aplicação integral da nova legislação, considerada uma das mais avançadas do mundo no processo de desconcentração e democratização dos meios de comunicação.

Pelas regras agora em vigor, os grupos monopolistas tem um prazo definido para vender parte de seus ativos com o objetivo expresso de “evitar a concentração da mídia”. O Grupo Clarín, maior holding multimídia do país, terá de ceder, transferir ou vender de 150 a 200 outorgas de rádio e televisão, além dos edifícios e equipamentos onde estão as suas emissoras. A batalha pela constitucionalidade dos quatro artigos durou quatro anos e agitou a sociedade argentina. O Clarín – que fez fortuna durante a ditadura militar – agora não tem mais como apelar.

Aprovada por ampla maioria no Congresso Nacional e sancionada por Cristina Kirchner em outubro de 2009, a nova lei substitui o decreto-lei da ditadura militar. Seu processo de elaboração envolveu vários setores da sociedade – academia, sindicatos, movimentos sociais e empresários. Após a primeira versão, ela recebeu mais de duzentas emendas parlamentares. No processo de debate que agitou a Argentina, milhares de pessoas saíram às ruas para exigir a sua aprovação. A passeata final em Buenos Aires contou com mais de 50 mil participantes.

Mesmo assim, os barões da mídia tentaram sabotá-la, apostando suas fichas na Suprema Corte da Argentina. Isto explica porque a sentença de outubro abalou tanto os impérios midiáticos da região, reunidos na Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Num discurso terrorista, eles afirmaram que a nova lei é autoritária. Mas até o Relator Especial sobre Liberdade de Expressão da Organização das Nações Unidas (ONU), Frank La Rue, reconheceu que a Ley de Medios da Argentina – com seus 166 artigos – é uma das mais avançadas do planeta e visa garantir exatamente a verdadeira liberdade de expressão, que não se confunde com a liberdade dos monopólios midiáticos.

Equador e Uruguai dão exemplo

A Argentina não foi a única a avançar neste debate estratégico na região. Outros dois países deram passos significativos neste sentido em 2013. Em junho, o parlamento do Equador aprovou o projeto do governo de Rafael Correa que cria um órgão de regulação da mídia com poderes para sancionar econômica e administrativamente os veículos da imprensa e que definirá os critérios para as futuras concessões de rádio e televisão no país. O projeto tramitou por quatro anos na Assembleia Nacional e foi aprovado por folgada maioria – 108 a favor e 26 contra.

Além de criar a Superintendência de Informação e Comunicação, que terá o papel de “vigilância, auditoria, intervenção e controle”, a lei reserva 33% das futuras frequências de rádio e TV para a mídia estatal, 33% para emissoras privadas e 34% para os grupos indígenas e comunitários. Ela também garante amplo direito de resposta, contrapondo-se ao chamado “linchamento midiático”. Caso julgue que pessoa física ou jurídica foi “caluniada e desacreditada” pela mídia, a Superintendência pode obrigar o veículo responsável a divulgar um ou mais pedidos de desculpas.

Para o deputado Mauro Andino, relator do projeto, a nova lei com seus 119 artigos representa significativo avanço na democracia no Equador e na garantia da verdadeira liberdade de expressão. “Como cidadãos, queremos a liberdade de expressão com os limites dados pela Constituição e pelos instrumentos internacionais, além de uma liberdade de informação com responsabilidade... Propusemos uma lei que se constrói a partir de um enfoque de direitos para todos, não para um grupo de privilegiados”. Vale lembrar que a mídia equatoriana é controlada por banqueiros!

Para irritar ainda mais os barões da mídia do continente, em dezembro último a Câmara dos Deputados do Uruguai aprovou a Lei dos Serviços de Comunicação Audiovisual, proposta pelo governo de José Pepe Mujica. Com 183 artigos, a nova “Ley de Meios” encara os meios de comunicação como um direito humano e define que “é dever do Estado assegurar o acesso universal aos mesmos, contribuindo desta forma com liberdade de informação, inclusão social, não-discriminação, promoção da diversidade cultural, educação e entretenimento”.

Em seu enunciado, a nova lei enfatiza que os monopólios dos meios de comunicação “conspiram contra a democracia ao restringir a pluralidade e a diversidade que asseguram o pleno exercício do direito à informação”. Visando corrigir esta distorção, o texto propõe “plena transparência no processo de concessão de autorizações e licenças para exerce a titularidade” nas emissoras de rádio e televisão. Ele também prevê a criação de um Conselho de Comunicação Audiovisual, com o intento de “implementar, monitorar e fiscalizar o cumprimento das políticas”.

A nova lei uruguaia ainda estabelece cotas mínimas de produção audiovisual nacional, institui o horário eleitoral gratuito nos canais e determina que as empresas telefônicas não poderão explorar concessões de rádio ou tevê. Ela também contempla a proteção à criança e ao adolescente, já que regula a veiculação de imagens com “violência excessiva”. Das 6h às 22h, esse tipo de conteúdo é proibido, com a exceção para “programas informativos, quando se tratar de situação de notório interesse público” e somente com aviso prévio explícito sobre a exposição dos menores.

A reação da máfia midiática da SIP

As recentes mudanças legais na Argentina, Equador e Uruguai se somam as que já estavam em vigor na Venezuela – o primeiro país da região a encarar este tema estratégico –, Bolívia e Nicarágua. Não é para menos que o rebelde continente latino-americano é hoje maior entrave ao poder dos monopólios da mídia. Em outubro passado, durante a 69ª Assembleia-Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), os poderosos empresários do setor confessaram que estão perdendo a batalha de ideias na América Latina e decidiram reforçar sua postura oposicionista.

Na maior caradura, o presidente da SIP, Jaime Mantilla, disse que "os governos latino-americanos têm se dedicado a semear o ódio e o medo" contra os meios de comunicação. O objetivo da entidade, sedeada em Miami, com famosos vínculos com a CIA e que sempre apoiou os golpes e as ditaduras, é evitar que as novas legislações sejam aplicadas em sua plenitude e que contagiem outros países da região. O Brasil inclusive foi citado como preocupação maior dos mafiosos da mídia do continente. Se depender da presidente Dilma Rousseff, porém, eles podem dormir tranquilamente.




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