Mais Médicos, pesquisas, vacinas, novos tratamentos: 2013 foi de avanço na saúde

Projetos ousados se contrapõem à timidez de programas de combate a aids e outras doenças sexualmente transmissíveis

Por Cida de Oliveira, Rede Brasil Atual
Sábado, 28 de dezembro de 2013


Os avanços na saúde em 2013 podem ser vistos nos resultados promissores de pesquisas em andamento para a obtenção de novas drogas, personalizadas, com alvos específicos, baseados em alterações genéticas do paciente, como no tratamento do câncer, ou aquelas em telemedicina, com a qual as telecomunicações e outras tecnologias vão permitir, por exemplo, capacitação e atualização permanentes de equipes de saúde da família das regiões mais afastadas por meio da conexão com grandes centros universitários de referência.

Avançaram também estudos para a obtenção de imagens mais precisas do cérebro, de técnicas cirúrgicas minimamente invasivas e em nanomedicina, que se utiliza de estruturas que, de tão minúsculas, poderão levar medicamentos diretamente à região do órgão doente. Isso tudo sem contar os testes com próteses e exoesqueletos, como os que o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis está desenvolvendo em seus laboratórios no Brasil e nos Estados Unidos. Por causa de seus estudos pioneiros, um jovem paraplégico deverá dar o pontapé inicial no jogo de abertura da Copa do Mundo de 2014 usando um desses aparatos.

Mais Médicos

Os resultados positivos vão além dos laboratórios e incluem políticas para o setor. Segundo especialistas, o programa federal Mais Médicos é o principal deles. Lançado em julho com o objetivo principal de suprir a falta desses profissionais nos municípios do interior do país e nas periferias das grandes cidades com a contratação de 15 mil médicos, brasileiros e estrangeiros, foi duramente criticado pelo Conselho Federal de Medicina, Federação Nacional dos Médicos e Associação Médica Brasileira. “Uma decisão política ousada, uma ação que vai além da presença do médico, dos recursos humanos, e passa pela estruturação de investimentos na atenção básica, com melhoria das unidades de atendimento. É um forte estímulo para o setor”, avalia José Noronha, pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict), vinculado à Fiocruz e diretor do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes).

Câncer

Em maio, a atriz Angelina Jolie anunciou a dupla mastectomia profilática. "Mais do que reduzir em perto de 80% as chances de ter câncer de mama, a atriz protagonizou um papel educativo formidável, aumentando o debate e a circulação de informações sobre o tema", avalia o oncocirurgião Ademar Lopes, vice-presidente do Hospital A.C. Camargo, de São Paulo. A decisão da atriz, conforme ressalta o especialista, só foi possível graças a avanços nas técnicas cirúrgicas, cada vez menos mutiladoras, e ao conhecimento dos genes envolvidos nos tumores. "Por meio de exames genéticos específicos, ela soube que tinha risco aumentado para o tumor mamário e ovariano."

Há exatos 60 anos, os cientistas Francis Crick e James Watson revolucionaram a ciência ao descreverem a estrutura do ácido desoxirribonucleico (DNA, da sigla em inglês). É graças à descoberta que foi possível o sequenciamento do genoma humano e o consequente conhecimento dos genes envolvidos no surgimento das doenças, inclusive o câncer. Entretanto, todo esse avanço – que não ocorre do dia pra noite – ainda não está ao alcance de todos. O diagnóstico é tardio em muitos casos e o tratamento também demora a começar, reduzindo as chances de cura. Em maio, foi aprovada lei que dá 60 dias para o SUS começar a tratar pessoas diagnosticadas com câncer. "Isso é muito positivo, mas sabemos que o país não está estruturado para garantir o cumprimento da lei", diz Lopes.

Aids

Anunciado em 1° de dezembro, o novo Protocolo Clínico de Tratamento de Adultos com HIV tem como destaque a distribuição gratuita de antirretrovirais a todos os adultos soropositivos, mesmo aqueles que ainda não têm comprometimento do sistema imunológico. "A medida, pioneira em todo o mundo, tem impacto na saúde individual ao melhorar a qualidade de vida da pessoa infectada pelo HIV, e coletivo, ao reduzir as chances de transmissão do vírus por diminuir a carga viral e a sua propagação", diz o farmacêutico Ronald Ferreira dos Santos.

Presidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar) e coordenador do Movimento Saúde + 10, ele destaca ainda a retomada do protagonismo social na militância do movimento por ele coordenado, que conseguiu quase 2 milhões de assinaturas em todo o país para um projeto de lei de iniciativa popular que, se aprovado no Congresso, obriga a União a investir 10% das receitas correntes brutas na saúde pública.

Fim da epidemia?

"A melhor notícia do ano é a confirmação de que a epidemia de aids pode, sim, ser controlada e a infecção e mortes pela doença podem chegar a escalas jamais imaginadas", diz Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP, integrante da Associação de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco) e pesquisador em epidemiologia da aids.

Em todo o mundo avançam os testes com vacinas e drogas menos tóxicas, de efeito prolongado, mesmo em dosagens menores e houve incorporação de novas abordagens, como a profilaxia pós-exposição (PEP) – forma de prevenção da infecção com medicamentos para pessoas que possam ter entrado em contato com o vírus. Para Scheffer, é uma cesta de novidades que, se bem coordenadas, permitirão avanço considerável.

No entanto, segundo o professor, há um abismo entre as boas notícias científicas em aids e a execução das políticas, permitindo retrocessos que colocam em risco as conquistas do país no enfrentamento à doença. Desde 2006, as taxas de mortalidade voltaram a crescer em alguns segmentos, ficando próximas às do período anterior ao advento do coquetel. “Há mais de 10 anos o Brasil está estacionado. O diagnóstico é tardio. Temos hoje o ressurgimento da epidemia em alguns grupos, como homossexuais do centro da cidade de São Paulo, onde um em cada seis está infectado – quadro pior que em muitos países africanos. Sem contar a censura nas campanhas. Por pressões de lideranças religiosas, o país retrocede na abordagem preventiva, faltam campanhas para gays, os testes não chegam onde o HIV está. Nunca tivemos tantas ferramentas e a falta de condições de implementá-las", diz. "O Brasil seria capaz de lidar com isso mas não temos acompanhado as novidades."

Vetos ao Ato Médico

Em julho, a presidenta Dilma Rousseff vetou parcialmente a Lei 12.842, mais conhecida como Ato Médico. A legislação, que regulamenta o exercício da carreira médica no Brasil, causou polêmicas por restringir aos médicos prerrogativas que eram compartilhadas por outros profissionais de saúde, como a prescrição e acompanhamento do uso de próteses, calçados ortopédicos, andadores e próteses auditivas, por exemplo. Além desse dispositivo, Dilma vetou também aquele que dava exclusividade aos médicos na direção e chefia de serviços médicos, que tem sentido mais amplo. Com os vetos, podem ser compartilhadas pelos profissionais da área da saúde, além dos médicos, o atendimento a pessoas sob risco de morte iminente; a realização de exames citopatológicos e emissão de seus laudos; a coleta de material biológico para análises laboratoriais e os procedimentos feitos através de orifícios naturais, desde que não comprometam a estrutura celular. "Ficam asseguradas ações e diretrizes clínicas do Sistema Único de Saúde (SUS) e protocolos consagrados em toda a rede de saúde", disse Ronald Ferreira dos Santos, da Fenafar.

Segurança do paciente

Lançado em abril pelo Ministério da Saúde em parceria com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Fiocruz, o Programa Nacional de Segurança do Paciente reúne protocolos básicos de segurança, entre eles sobre a identificação da pessoa atendida nos serviços de atendimento ou internada; a segurança na prescrição, uso e administração de medicamentos; para a cirurgia segura; prática de higiene das mãos em serviços de saúde; e a prevenção de quedas dentro dos hospitais, muito comuns. “Na saúde há muitas falhas que a mídia encobre ou tende a apontar culpados de um problema que é sistêmico. E o programa vai atuar justamente nas falhas que tornam o serviço de saúde inseguro”, diz José Noronha, da Fiocruz.

HPV

No mês passado, o Ministério da Saúde publicou portaria sobre a oferta da vacina quadrivalente contra o vírus HPV pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2014, meninas dos 11 aos 13 anos vão receber as duas primeiras doses do imunizante. A terceira dose será aplicada cinco anos depois. E a partir de 2015, a vacinação vai abranger também pré-adolescentes de nove a 11 anos. Principal causa do câncer de colo do útero, o papilomavirus humano (HPV) se divide em mais de 100 tipos diferentes, dos quais 13 podem provocar tumores e outras complicações. Esta vacina protege contra quatro tipos do HPV: 6, 11, 16, 18.

"Há resultados positivos nos testes da vacina nonavalente, contra os tipos 6, 11, 16, 18, 31, 33, 45, 52 e 58, que amplia a proteção contra as doenças causadas por essa família de vírus", explica o médico Mauro Romero Leal Passos, professor associado e chefe do setor de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) da Universidade Federal Fluminense (UFF).

No entanto, segundo Passos, nem tudo é avanço quando o assunto é DST. Os casos de gonorreia, por exemplo, tiveram aumento no mundo todo. "Para piorar, a bactéria causadora é cada vez mais resistente aos novos antibióticos." Para o médico, a negligência é geral. A mídia não toca no assunto, os governos não investem na prevenção, no diagnóstico e tratamento, que geralmente são tardios, inadequados. O resultado pode ser o recrudescimento dessas doenças medievais que voltam a preocupar.

Alzheimer

Cientistas brasileiros de diversos centros de pesquisa, entre eles a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), descobriram neste ano que o uso de um medicamento usado no tratamento do diabetes, a liraglutida, poderá, no futuro, prevenir o mal de Alzheimer. Isso porque a degeneração cerebral que desencadeia a doença está associada a problemas na ação da insulina no cérebro. As pesquisas partiram da constatação de que as pessoas com diabete tipo 2 apresentam risco aumentado para desenvolver o Alzheimer. O estudo foi publicado no começo deste mês na revista científica Cell Metabolism.

Células-tronco

Professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias, na mesma universidade, Stevens Rehen diz que há diversos estudos promissores sendo realizados em laboratórios de todo o mundo. Um deles, divulgado em maio na revista Nature por cientistas da Universidade de Yokohama, no Japão, recriou, em laboratório, um órgão vascularizado, com as propriedades de um fígado, a partir de células-tronco reprogramadas, extraídas da pele.

Os roedores que tiveram o órgão implantado sobreviveram mais que os demais, sem o implante. Embora cedo para saber se a técnica funcionará em humanos, o resultado abre a possibilidade de novas perspectivas para pacientes que aguardam um transplante do órgão. Em outro estudo, cientistas europeus conseguiram desenvolver "minicérebros" a partir de células-tronco reprogramadas. Com isso será possível, no futuro, estudar mais profundamente o desenvolvimento de doenças cerebrais. Há também diversos estudos clínicos sendo realizados. Entre eles, um na Universidade Federal de São Paulo, coordenado pela Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos. O objetivo é testar a segurança – e não ainda a eficácia – de células-tronco embrionárias no tratamento da degeneração macular, maior causa de cegueira entre as pessoas idosas.

Autismo

Conhecidas como probióticos, as bactérias benéficas que colonizam o estômago humano têm tudo para ser utilizadas em novas drogas para aliviar os sintomas de alguns espectros do autismo. É o que indicaram testes com ratos em laboratórios do Instituto de Tecnologia da Califórnia, nos Estados Unidos. Os pesquisadores partiram do conhecimento de que muitos autistas têm problemas intestinais e que essas bactérias podem influenciar o comportamento emocional e social.




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