Mujica sobre maconha: "vamos regulamentar mercado que já existe"

Na semana passada, o presidente uruguaio José Mujica, concedeu duas entrevistas a veículos brasileiros. O mandatário recebeu o jornal Zero Hora e a Folha de S. Paulo em sua chácara, Quincho Varela, e falou sobre a regulamentação da maconha e outras medidas revolucionárias de seu governo

Por Théa Rodrigues, da redação do Vermelho, Com informações dos jornais Zero Hora e Folha de S.Paulo
Segunda-feira, 2 de dezembro de 2013



O jornalista Léo Gerchmann, do Zero Hora, encontrou com Mujica na última terça-feira (26/11). Em sua reportagem, ele ressalta a simplicidade do presidente uruguaio que o recebeu “de alpargatas, cabelos desalinhados e barba por fazer”. Segundo ele, o ex-guerrilheiro tupamaro “é amável”.

Na conversa que durou 50 minutos, o mandatário definiu a legislação que regula a produção e o consumo de maconha como um “teste social”. Segundo ele, a ideia não é “legalizar”, mas sim “regulamentar um mercado que já existe” porque “o narcotráfico é pior do que a droga”. O jornalista havia perguntado se essa era uma forma de fazer com que esse aspecto perverso do capitalismo, que é o narcotráfico, seja afastado do processo.

“O narcotráfico significa uma degradação na degradada consciência delituosa. É, dentro da cultura do delito, agravar o pior do delito. As consequências sociais vão além do narcotráfico. Toda a delinquência fica violenta, desproporcionalmente violenta. Nossa sociedade está coberta de uma violência irracional e estúpida, às vezes, por ser desproporcional”, disse Mujica.

Da mesma forma, em entrevista aos enviados especiais Lucas Ferraz e Félix Lima, exibida pela TV Folha neste domingo (1º/12), o presidente uruguaio disse que não pode ficar de olhos fechados para o mercado existente e afirmou que “a via repressiva fracassou”.

De acordo com o governo, se quiserem sair da clandestinidade, os cerca de 200 mil usuários de maconha no país deverão se cadastrar para ter acesso limitado à droga. No Uruguai, fumar maconha não é crime (ao contrário do Brasil).

A votação do projeto pode ser concluída nesta semana pelo Senado, último estágio antes da sanção presidencial. Na prática, a experiência começará em 2014. Como o governo Mujica tem maioria no Senado, espera-se que o projeto seja aprovado com folga.

"Propusemos a lei por causa das tradições do Uruguai. De 1914, 1915, até os anos 60, o álcool era monopólio do Estado. Por mais de 50 anos produzimos e vendemos nossa própria grapa, cachaça, rum. Por um valor maior, que era para direcionar recursos para a saúde pública. É o que vamos fazer agora", disse Mujica à Folha.

Sobre a possibilidade de o país se tornar um modelo para outros países da América Latina, o mandatário disse ao Zero Hora que “pode ser que se aprenda alguma coisa, que outros países possam aprender alguma coisa”. De acordo com ele, a medida “põe em xeque a ideia de que a única maneira de combater o narcotráfico é com a repressão”.

Por outro lado, Mujica afirma que regulamentar a maconha “tem seu perigo, porque temos que criar muitas coisas. Não quero dizer que isso que começamos a experimentar nos dê uma solução. O que sabemos é que o que foi feito até agora não é suficiente”.

Outras mudanças
Usando metáforas da vida no campo, Mujica lembra aos jornalistas da Folha que mudar a sociedade é como plantar oliva, "não se pode esperar uma grande colheita logo de cara". "As causas humanas são de longo prazo."

A regulamentação da droga, que é discutida há pelo menos 10 anos, será mais uma medida revolucionária do seu governo, que já aprovou o casamento gay e legalizou o aborto. O presidente citou ainda outros vanguardismos do país de pouco mais de 3 milhões de habitantes, como a regulamentação da prostituição, o direito de divórcio pela vontade da mulher e a opção do Uruguai de ser um Estado laico.

O Zero Hora perguntou a Mujica quais sonhos de guerrilheiro ele conseguiu colocar em prática como chefe de Estado. A resposta foi contundente: “Creio que a motivação da preocupação social, de tratar de contribuir para conseguir uma sociedade com melhores relações humanas, mais justa, mais equitativa, onde o ‘meu’ e o ‘teu’ não separe tanto as pessoas”.

“Há menos pobres, de pobreza material. Há muitos pobres na cultura e nos sentimentos. Creio que fizemos algo e outros terão de seguir. Sou favorável à existência dos partidos políticos, das organizações políticas, porque nossas vidas são curtas, e essas causas necessitam muito tempo”, afirmou o mandatário, que disse ainda que “as causas não são coletivas, são intergeracionais. Não se vai conseguir um milagre de um dia para o outro. Fizemos nossa parte, plantamos, e tratemos que outras pessoas sigam levantando a bandeira e lutando por isso”.

Mujica afirmou também que segue sendo um tupamaro: “Não deixei de ser. O tupamaro se rebelava contra a injustiça. Isso eu tenho muito claro. Há os caminhos, as circunstâncias, mas a maneira de ver a vida continua a mesma”.

Mercosul

Sobre um possível acordo entre Mercosul e União Europeia, o presidente do Uruguai foi categórico: “É importante ter diversidade. O mundo se está organizando em um grande bloco. A comunidade europeia tem 20 e tantos países, com história, idioma, cultura diferentes. Sem dúvida, por mais que se critiquem, estão se juntando. E criaram uma realidade econômica muito importante. Os Estados Unidos têm seu acordo com Canadá e com México. Do outro lado do oceano está a China, que é um estado multinacional milenar. Tem a Índia. Esse é o mundo em que vivemos. Nesta região, o principal comprador que temos é a China. É o principal cliente do Brasil, nosso, do Paraguai e da Argentina. É inteligente não depender de um único país”.

Já sobre o futuro do bloco latino-americano, Mujica acredita na necessidade de integração: “Mercosul é mais. Não podemos estar sozinhos. Até países grandes como o Brasil precisam de aliados”.

Brasil

Ele admite que seu governo está sendo pressionado pela comunidade internacional, sobretudo por países vizinhos, como o Brasil, temerosos de que a maconha uruguaia transborde as fronteiras. "Sempre vai haver pressão. Há um aparato no mundo que vive em reprimir e custa muito", disse à Folha.

Contudo, afirmou ao Zero Hora que o Brasil é um ótimo aliado do Uruguai. “O Brasil tem uma política federal. Às vezes, temos uma contraposição, porque, como federação, em algum estado pode surgir um obstáculo. Mas o governo federal sempre defende a relação. Mateamos bem”, concluiu Mujica.




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