Alemanha se torna o 22º país da UE a adotar um salário mínimo

É a segunda vez, neste século XXI, que uma tal coalizão será liderada por Angela Merkel

Por Rede Brasil Atual
Quarta-feira, 27 de novembro de 2013


Depois de uma novela que durou cinco semanas, já na vigésima quinta hora da prorrogação, a União Democrata Cristã (CDU) da chanceler Angela Merkel, a União Social Cristã da Baviera (CSU) e o Partido Social Democrata (SPD) anunciaram na madrugada desta quarta-feira (27) a formulação de uma proposta programática para embasar o que na Alemanha se chama uma “Grande Coalizão”.

É a segunda vez, neste século XXI, que uma tal coalizão será liderada por Angela Merkel. No século XX, depois da Segunda Guerra, isto aconteceu uma única vez, de 1966 a 1969, no governo do chanceler Kurt Georg Kisinger, da CDU, que teve Willy Brandt como vice-chanceler e ministro da pasta de Relações Exteriores.

As últimas rodadas da negociação foram extensas: a de terça para quarta-feira durou 17 horas. Os principais pontos acertados são os seguintes:

1) Aceitando a proposta do SPD, o novo governo deverá implantar um salário mínimo nacional, inexistente na Alemanha, de 8,50 euros por hora (cerca de 26 reais). Isto ocorrerá a partir de 2015 e todos os ramos profissionais, empresas públicas e privadas, terão até 2017 para se adaptar à nova situação. Em 2017 deverão ocorrer novas eleições nacionais. A principal oposição a esta proposta partia da CSU bávara e de setores da CDU mais ligados ao empresariado e a economistas ortodoxos.

A grita destes nos últimos dias, contra a proposta, foi enorme na mídia, com os argumentos de sempre: isto aumenta o desemprego, acresce os gastos públicos e diminui a competitividade das empresas alemãs no mercado externo. Entretanto a chanceler Angela Merkel, seguindo seu estilo habitual, encampou como sua a proposta do SPD, negociou os prazos mais distendidos, e assim dobrou a oposição interna ao projeto.

Sem a sua adoção, a situação do SPD ficaria complicada, o que, por sua vez, complicaria a própria proposta de coalizão. A direção do SPD comprometeu-se a levar a proposta de coalizão a um plebiscito entre seus cerca de 475 mil filiados, e sem o salário mínimo sua aprovação seria muito mais difícil. A Alemanha torna-se assim o 22º. país da União Europeia a adotar um salário mínimo nacional.

2) Haverá um aumento nas aposentadorias – também proposta do SPD – e, além disto, os que já contribuíram por 45 anos com a previdência social poderão se aposentar aos 63 anos, ao invés de 67, como é agora para as novas gerações de trabalhadores, ou a partir dos 65 ou 66, para quem já estava no mercado de trabalho, segundo regras de transição.

A Alemanha adota um sistema de aposentadoria unicamente por idade. Haverá também um aumento nas pensões para mulheres que se tornaram mães antes de 1992, e uma aposentadoria mínima, descrita como “solidária”, de 850 euros mensais (aproximadamente 2.600 reais), para os trabalhadores de salários muito baixos. Os críticos destas medidas se arrepiam porque elas acarretarão um aumento de 23 bilhões de euros (71 bilhões de reais) nas despesas públicas, até 2017.

3) Em contrapartida o SPD desistiu de sua proposta de aumento de impostos para os mais ricos e as grandes fortunas. Não haverá também qualquer outro aumento de impostos nem de outras despesas públicas nos próximos anos. Em 2015 se mantém a proposta de zerar o déficit público nas propostas orçamentárias.

4) Também foi aceita uma proposta do SPD no sentido de que as crianças de pais estrangeiros que nasçam na Alemanha tenham direito à dupla cidadania. Isto era uma reivindicação sobretudo dos imigrantes turcos e também de outras nacionalidades da União Europeia.

5) Mantém-se a proposta de fechar as usinas nucleares alemãs até 2022, e se projeta um emprego de fontes renováveis de energia da ordem de 60% até 2030.

6) A CSU conseguiu que fosse adotada sua proposta de criação de um pedágio mais caro para turistas estrangeiros nas estradas alemãs. Entretanto a sua aplicação depende de um “ajuste legal”, porque o acordo da União Europeia, de que a Alemanha é signatária, proíbe a discriminação de cidadãos dos países membros.

7) Ainda não se divulgaram os nomes dos futuros ministros, mantidos em segredo pelo presente acordo. Mas foi acordado entre as partes que a CDU terá 5 ministérios, a CSU 3 e o SPD 6. Pela tradição, o SPD deverá ter a vice-chancelaria e o Ministério de Relações Exteriores. Espera-se que a CDU mantenha o Ministério das Finanças, ocupado hoje pelo ministro Wolfgang Schäuble.

8) Não se sabe avaliar ainda – uma vez que o acordo não toca no assunto, pelo menos abertamente, se haverá alguma mudança, mesmo que pequena, em relação à posição alemã no que toca à administração da crise europeia, os poderes do Banco Central Europeu e temas conexos. Não se tratou tampouco do Banco Central Alemão, hoje dirigido pelo hiperortodoxo Jens Weidmann que, ao que tudo indica, continuará no cargo.

Caso o acordo da coalizão seja aprovado pelos militantes do SPD – e o plebiscito deve ocorrer até meados de dezembro – a chanceler alemã governará com uma das maiores bancadas no Bundestag que já houve na Alemanha. Das 630 cadeiras do Parlamento, a CDU e a CSU contam com 311 e o SPD com 192, totalizando 503. A Linke tem 64 e os Verdes 63, 127 no total.

De um modo geral pode-se dizer que o acordo envolve uma “pequena derrota de grande monta” para a corrente econômica mais ortodoxa, pois a adoção do salário mínimo nacional tinha a sua vigorosa oposição, pelos aspectos diretamente econômicos já comentados, mas também por seus aspectos políticos e simbólicos.

A Alemanha era vista como quase um dos últimos grandes bastiões, na Europa, do laissez-faire salarial. Havia salários mínimos estaduais, mas assim mesmo desiguais entre si e distribuídos diferentemente por ramos profissionais, embora houvesse províncias – como a Baviera – que não adotavam qualquer salário mínimo.

Havia também mínimos salariais estabelecidos nas convenções coletivas entre empresas e sindicatos. Mas mesmo nestes casos permanecia a possibilidade de haver desigualdades, graças ao aumento das contratações terceirizadas. Neste caso uma empresa contrata trabalhadores não diretamente, mas através de uma agência de empregos.

Estes trabalhadores não estão necessariamente cobertos pela convenção coletiva do sindicato dos trabalhadores da empresa. Tanto é assim que vários sindicatos, como, por exemplo, no setor metalúrgico, têm posto entre suas reivindicações a de que o contrato coletivo abranja também os terceirizados.




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