As greves na USP

Em nenhuma grande universidade do mundo o reitor é escolhido pelo governador de um estado. É uma aberração

Por CartaCapital
Terça-feira, 12 de novembro de 2013


A universidade de São Paulo está em greve há mais de um mês. Para quem acompanha os movimentos da mais importante universidade da América Latina, nada de novo. Greves são periódicas na USP, algumas com resultados importantes, entre eles a contratação de novos professores, defesa da autonomia universitária etc., outras nem tanto. O certo é que elas se transformaram em um dos poucos instrumentos à disposição dos professores, estudantes e funcionários para pressionar e negociar. Há de se perguntar por quê.

Discutir tal questão com o mínimo de serenidade é difícil, pois há um ressentimento irredutível incrustrado principalmente em certos setores da classe média. Gente que não entende o fato de nunca ter sido reconhecida como grande intelectual ou escritor e que, por isso, sempre está disposta a explicar seu fracasso por um grande complô nascido na academia. Por isso estão sempre prontos a repetir o mesmo mantra ouvido desde o nosso nascimento: reduto de marxistas improdutivos, a universidade (em especial sua área de humanidades) é irrelevante, nunca produziu nada que mereça ser lembrado.

De nada adianta mostrar que 25% de toda a pesquisa realizada no Brasil é feita pela USP e que nossa universidade é um gigante com, aproximadamente, 74 mil alunos só na graduação. Para se ter uma ideia, Harvard tem 6 mil estudantes. O gigantismo obriga a USP a responder por um conjunto de atividades que “universidades de excelência” não precisam sequer pensar. Não somos uma universidade que seleciona os 6 mil melhores alunos e os trabalha quase individualmente. Somos uma grande universidade de massa que precisa responder por exigências de formação, pesquisa, profissionalização e reciclagem, suporte de serviços sociais, entre tantas outras coisas. Se separássemos os 6 mil melhores, chegaríamos perto das melhores do mundo, mas certamente contribuiríamos para jogar os outros 68 mil em condições de ensino muito piores do que aquelas que eles têm hoje.

Por outro lado, as acusações contra o reduto de marxistas chegam a ser hilárias. No Departamento de Filosofia (que estaria no pretenso epicentro do marxismo), faz décadas não há um curso regular sobre Marx, embora haja cursos sobre Locke, Hobbes e outras referências do pensamento liberal. Se nos afastarmos desse mar de ressentimento que invade setores da mídia sempre que se fala da USP, talvez possamos discutir alguns pontos com mais propriedade.

Um dos maiores fatores de desestabilização da vida universitária nesses últimos anos é a escolha do reitor. Há uma forte razão para tanto, pois o processo uspiano é uma aberração. Ultimamente, alguns foram à mídia dizer que uma escolha do reitor por eleição direta seria inaceitável, haja vista o fato de nenhuma das melhores universidades do mundo operar dessa forma. É verdade, mas gostaria também que alguém me indicasse uma, apenas uma universidade entre as melhores, cujo reitor é escolhido pelo governador do estado a partir de uma lista tríplice.

Esta é, de longe, a pior das aberrações, por abrir a gestão da universidade à interferência de alguém que nada sabe a respeito das necessidades acadêmicas, mas que decide tudo a partir do cálculo de interesses de seu partido. É realmente impressionante certos setores da sociedade não perceberem que uma lista tríplice significa transformar a gestão de nossa maior universidade em um cargo como outro qualquer no governo estadual, como presidente da Sabesp ou secretário-geral dos parques estaduais. E por meio de uma indicação em que o governador finge brincar de democracia para, no fim das contas, impor sua vontade. O governador não é uma instância acadêmica, não dá aulas, não escreve artigos, não orienta teses e não participa de conferências e simpósios. Logo, não tem nada a fazer nesse processo.

No caso da USP, a escolha direta de reitor tem uma vantagem grande em relação aos demais modelos: ele quebra a formação de castas burocráticas que se perpetuam por décadas, além de dar mais voz aos alunos. Até mesmo em uma universidade privada, é normal alunos avaliarem cursos, interferirem em várias diretrizes acadêmicas e pedagógicas. Não na USP. Tratamos as opiniões dos alunos como um convite à irracionalidade e à desconsideração das necessidades acadêmicas. Mas isso está longe de ser verdade. Os alunos querem aprender e vencer na vida. Não há razão alguma para recusar ouvi-los.




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