Comissão da Verdade: Militares que se opuseram à ditadura prestaram depoimentos

"Proporcionalmente, os militares foram o grupo mais atingido por perseguições e cassações", alertou o historiador Paulo Cunha, da Unesp, em pronunciamento à comissão

Por Agência Alesp
Terça-feira, 12 de novembro de 2013


A Comissão Estadual da Verdade, presidida pelo deputado Adriano Diogo, realizou nesta segunda-feira (11/11), reunião conjunta com a Comissão Nacional da Verdade, representada por Rosa Cardoso, para ouvir depoimentos sobre militares que resistiram ao golpe e mantiveram posições em favor da legalidade e da democracia.

O coronel Vicente Sylvestre, ativo nas entidades de classe da corporação, era chefe do Estado-Maior do Comando do Policiamento Militar e frequentava um curso na Academia do Barro Branco, em 1975, quando foi sequestrado, em sua casa, em 9 de julho de 1975, por integrantes do DOI-Codi, que promoviam uma operação contra militares ligados ao Partido Comunista.

"Fui levado primeiro para o quartel-general da Polícia Militar e depois de lá segui um caminho que é indigno para qualquer ser humano", disse Sylvestre. Ele relembrou que foi barbaramente torturado porque as forças da repressão achavam que ele teria informações valiosas, que poderiam pavimentar um caminho de sucesso para os que o prenderam.

"Mas a minha luta era muito clara, sempre feita dentro das entidades de classe da corporação; contrariava as diretrizes da ditadura, mas era feita abertamente. Eu não tinha nada a confessar, e como eles não se conformavam com isso me torturaram", disse.

Em outubro, segundo Sylvestre, ele foi submetido a um Conselho de Justificação " "não deixavam meu advogado nem entrar na sala da audiência, que durou quatro dias" ", que decidiu pela sua expulsão das Forças Armadas.

Em 1984 começa a luta no Judiciário para recuperar seus direitos, e a Justiça decide pela reintegração dos expulsos. "Mas eu imediatamente pedi férias, e em seguida apresentei meu pedido de passagem para a reserva. Depois daquele drama chocante, não tinha mais condições de continuar", revelou.

Após intervenção do deputado Adriano Diogo, Sylvestre lembrou ainda que descumpriu uma ordem para evacuar o prédio da Faculdade de Filosofia da USP, na rua Maria Antônia, em 1968, onde se encontravam estudantes e professores, em confronto com alunos da vizinha Universidade Mackenzie e membros do Comando de Caça aos Comunistas (CCC).

"Aleguei que os professores estavam lá defendendo um patrimônio. Então me disseram que a ordem de invasão vinha do próprio governador. Exigi que essa ordem viesse por escrito. O resultado é que fui destituído da operação, veio a Cavalaria e fez a invasão", lembrou Sylvestre.

A comissão também ouviu Eugênia Zerbini, filha do general Euryale Zerbini, um legalista que a ditadura retirou do Exército, e de Therezinha Zerbini, fundadora do Movimento Feminino pela Anistia. Eugênia relembrou o desencanto do pai, que, cassado, foi trabalhar na iniciativa privada e estudar filosofia, sem nunca perder o gosto pela vida. Falou também da mãe, ativista contra o golpe militar desde a primeira hora e presa pela Operação Bandeirantes em 1970. Numa visita para levar roupas à mãe detida, Eugênia foi violentada, aos 16 anos, nas dependências da Oban, na rua Tutoia.

A audiência da comissão também relatou os casos do coronel Alfeu Alcântara Monteiro, contrário ao golpe, que, segundo relatos, teria sido fuzilado pelas costas quanto entrou em troca de tiros com o comandante da Base Aérea de Canoas, no Rio Grande do Sul, por não aceitar uma ordem; e do sargento Manoel Raimundo Soares, morto nas dependências do DOI-Codi de Porto Alegre, para onde retornara, em 13 de agosto de 1966, depois de ficar detido no presídio-ilha do rio Guaíba. Seu corpo foi encontrado em 24 de agosto, com as mãos atadas às costas, no rio Jacuí.

"Proporcionalmente, os militares foram o grupo mais atingido por perseguições e cassações", alertou o historiador Paulo Cunha, da Unesp, em pronunciamento à comissão. Segundo ele, de 6.500 a 7.500 militares foram perseguidos, cassados, presos ou torturados, número que pode aumentar com os dados da PM.

Cunha lembrou as teses de Nelson Werneck Sodré para lembrar que, em sua história, as Forças Armadas revelam um caráter democrático, oposto ao que foi realizado pelo grupo militar que instalou a ditadura em 1964. Segundo Cunha, esse espírito democrático pode ser exemplificado pelo fato de o próprio Exército condenou os torturadores, ao impedir que chegassem ao generalato.




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