Comissão da Verdade: Caso da madre torturada pela ditadura militar é relembrado

Religiosa foi acusada injustamente de subversão e sofreu abusos na Oban

Por Agência Alesp
Terça-feira, 22 de outubro de 2013


A Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva, presidida pelo deputado Adriano Diogo, abordou nesta segunda-feira (21/10), o caso da madre Maurina Borges da Silveira, torturada e estuprada dentro da Operação Bandeirantes (Oban). Acusada de subversão por envolvimento com a Força Armada de Libertação Nacional (Faln), Maurina foi levada do Lar Santana, em Ribeirão Preto, orfanato no qual atuava como madre superiora para o Departamento Estadual de Ordem Política e Social (Dops) na capital paulista em 1969.

Segundo Matilde Leone, jornalista e escritora do livro "Sombras da Repressão - O Outono de Maurina Borges", a madre teria sido acusada injustamente. Quando, no início da década de 1960, chegou para coordenar o orfanato, um grupo de jovens usava uma das salas, mas a madre não sabia para que objetivo.

Quando se deu golpe e os jovens que se reuniam foram presos, a madre teria ido à sala e encontrou diversos documentos com nomes, fotografias e jornais. Foi então que teria solicitado ao jardineiro para que queimasse todos os papéis. Dentre os documentos havia uma pasta em bom estado que foi dada ao jardineiro que, ao sair do orfanato foi questionado pela polícia acerca da origem da pasta e, sob tortura, contou que havia ganhado da madre, que foi levada presa sob a acusação de subversão.

Plano de desmoralização

Apesar de Maurina não ter aparentemente envolvimento com nenhuma organização, ainda havia o questionamento acerca do por quê o nome da madre constava na lista de presos políticos a serem trocados pelo cônsul japonês Nobuo Okuchi, sequestrado pelo movimento esquerdista Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).

Segundo a jornalista Denise Assis, autora do livro "Imaculada", ao questionar dom Paulo Evaristo Arns sobre o nome da madre constar na lista, ele afirmou que tudo não passou de um plano do governo para desmoralizar a igreja, uma vez que os próprios militares colocaram o nome de Maurina, pois era mulher e freira. A intenção era mostrar à sociedade que até freiras estavam envolvidas com a subversão e com isso, justificar ações contra membros da Igreja Católica.

Matilde Leone afirmou que seu livro mistura realidade com ficção e que as pesquisas para formular o livro iniciaram em 1985, mas apenas em 1999 o livro foi publicado, pois havia muita dificuldade em conseguir informações devido ao medo que as pessoas tinham e ainda tem de falar sobre esta época. Para ela, a madre foi sacrificada duas vezes, a primeira quando foi torturada e a segunda quando passou 15 anos exilada no México.

Tortura e estupro

Ao ser presa em Ribeirão Preto e transferida para o Dops de São Paulo, Maurina passou por sessões diárias de tortura com a finalidade de entregar esquemas de operação, que ela desconhecia. Sua companheira de cela, a militante e comunista declarada Áurea Morete, afirmou que um dia após sessão de tortura um militar abre a porta da cela trazendo a madre e questiona se ambas se conhecem, elas negam, pois de fato não se conheciam.

Mais tarde, a madre é levada novamente a cela, desta vez cheia de hematomas provenientes de tortura. "Eu preferia estar lá dentro sendo torturada, a ouvir as outras mulheres gritando de dor com as torturas", afirmou.

Áurea afirmou ainda que era espancada diariamente e era tripudiada por ser mulher. "Mulher é para transar com o marido, criar os filhos e cuidar da casa e não se intrometer na política. Por conta disso vão apanhar", destacou.

A militante garantiu que a irmã Maurina sofria diversos assédios por parte do militares e que em uma madrugada, um militar retirou a madre da cela. Ao retornar, "ela estava com as roupas descompostas e chorando desesperada". Segundo informações, o capitão Dalmo Luiz Cirilo estuprou a madre naquela noite alegando carência por estar longe de sua esposa. Na época, o bispo da região excomungou dois dos torturadores da madre.

Confirmação do abuso

Assim como o irmão de Maurina, o padre Manoel da Silveira, muitos não acreditam na possibilidade de a madre ter sido estuprada. "Agradou-me muito ouvir a todos, tudo foi bem explanado, mas eu estive depois com Maurina e não acredito que ela tenha sido estuprada", defendeu Manoel.

No entanto, a jornalista Denise Assis afirmou que, em um telefonema, a madre confirmou o estupro. "Em nome das mulheres deste país que lutaram pela liberdade sexual, peço que responda não apenas a uma jornalista, mas sim para toda uma sociedade até aonde chegou a ditadura desrespeitando valores e crenças. A senhora foi estuprada e por consequência engravidou? Ela me respondeu, isso aconteceu, mas eu pedi muito a Deus que não houvesse consequência. Ela me confirmou o estupro, mas não a gravidez", relatou.

Ainda segundo Denise, a madre solicitou para retornar do exílio no México, mas por diversas vezes teve seu caso protelado. Em determinado momento, seu caso foi enviado ao Serviço Nacional de Inteligência (SNI) para análise. O diagnóstico do órgão foi dividido.

A volta da madre para o Brasil seria mostrada como um ato de humanidade por parte do governo, porém, abriria precedentes para que outros presos solicitassem o mesmo, abrindo assim margem para a Lei da Anistia. O caso chegou ao presidente Geisel, que optou por deixá-la exilada no México, onde permaneceu até a instalação da Lei da Anistia.

Tratamento por gênero

O representante da Comissão Nacional da Verdade responsável pelo núcleo das igrejas, Anivaldo Padilha, afirmou ter sido preso com militantes de Ribeirão Preto e ficou emocionado ao saber que seus algozes foram os mesmos que torturaram a madre Maurina. Para ele, a ditadura tratou de forma diferente homens e mulheres, assim como a instituição igreja, trata de forma inferiorizada a mulher. "Ao recuperarmos a verdade teremos justiça e a partir disso espero que as igrejas olhem de maneira consciente o gênero feminino, pois a discriminação sempre teve justificativa religiosa", concluiu.

O mesmo pode ser notado na fala do Frei João que defendeu que o caso da morte do frei Tito teve muito mais repercussão do que o caso da madre Maurina, por ser mulher. "A comissão deve estabelecer a verdade para corrigirmos o rumo, pois alguns erros são feitos por tradição. A paixão de Cristo foi feita por mulheres e graças às mulheres que falaram aqui hoje, que a história da madre está sendo lembrada".

O presidente da comissão, deputado Adriano Diogo afirmou que o novo procurador-geral da República, Rodrigo Janot falou em possível reforma da Lei da Anistia, mas que infelizmente o Brasil não quer a justiça.

"A comissão tem três partes: a memória, a verdade e a justiça. Estamos na metade dos trabalhos da comissão e ainda estamos na parte da memória", concluiu o parlamentar.




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