O PL 138/11 - 50% da frota de ônibus na cidade de São Paulo exclusivamente para mulheres?
Temos convicção que os mandatos e os governos do PT podem e devem trabalhar em conjunto com as instâncias partidárias, dialogando e construindo conjuntamente, neste caso, políticas com as Secretarias e Coletivos de Mulheres, municipais, estaduais e nacional
Sexta-feira, 18 de outubro de 2013
Escrevemos este artigo com o intuito de aprofundar o debate sobre o PL 138/11, de autoria do vereador Alfredinho, líder do PT na Câmara Municipal de São Paulo, e que obteve ampla divulgação pela grande imprensa, logo após sua aprovação em primeira sessão.
Na ocasião, a Secretária Estadual de Mulheres do PT/SP publicou críticas e reflexões em artigo pessoal, “Neopopulismo cor-de-rosa e o lugar da Mulher nos transportes públicos” no Linha Direta. Em seguida, a assessora do Deputado Alfredinho na CMSP, Debora Pereira, jornalista, membro do Coletivo de Mulheres do PT da Capital e Coordenadora de Assuntos Institucionais da JPT-SP, publicou artigo neste mesmo site “Desnaturalizar o assédio e empoderar as mulheres”, afirmando: “vi argumentos muito inteligentes contra a proposta, que valem para identificar problemas e ajudar a melhorar o projeto”.
Em primeiro lugar, é necessário esclarecer o teor do projeto: 50% da frota de ônibus será de uso exclusivo para mulheres, das 6h às 10h e das 16h às 20h, de segunda a sexta-feira, exceto feriados. Todos os ônibus destinados às mulheres serão pintados na cor rosa em faixas externas frontais, traseiras e laterais. Mais à frente, o mesmo PL diz que o “espaço” é preferencial, não exclusivo.
Sendo assim, discordamos totalmente da ideia de que o projeto em questão possa ser melhorado.
É preciso levar em consideração que, quando o poder público normatiza as formas de apropriação e uso coletivo da cidade e seus espaços, explicita e implicitamente, estabelece códigos de legitimidade de condutas para toda a sociedade. De uso exclusivo ou preferencial, se aprovado o projeto, teremos metade de todos os ônibus da cidade pintados na cor rosa, indicando que ali é espaço reservado às mulheres.
Por contraste visual, ficará estabelecido que a outra metade da frota, os ônibus “normais”, é para uso dos homens, e não de mulheres. Com certeza, a população tem toda a capacidade de discernir a vontade do poder público expressa em símbolos e códigos a serem seguidos; embora, evidentemente, isso não impeça a transgressão social, em especial quando a disposição pública afronta direitos fundamentais de todos e todas.
Além disso, a assessora que contribuiu para a elaboração do PL 138/11, deixa implícita a ideia, em seu artigo, que este PL se alinha a políticas afirmativas de cotas, conforme reproduzimos: ”As cotas para mulheres nos espaços políticos e para negros nas universidades, ações concretas de enfrentamento às desigualdades, estão longe de ser unanimes e a guerra para implantá-las foi e continua sendo duríssima. Contudo, a eficácia destas políticas é inegável.”
Defendemos totalmente as políticas afirmativas que nosso partido e nossos governos defendem e implementam. Mas consideramos que o PL 138/11 se distancia fortemente de políticas de inclusão por meio de cotas ou políticas públicas afirmativas de direitos. O princípio básico que sempre norteou o PT para a adoção de políticas afirmativas, dentre estas as que estabelecem cotas, visa garantir direitos que são concretamente negados para partes da sociedade.
A política de cotas para inclusão de negras, negros e indígenas nas universidades é afirmativa de direitos, pois garante acesso a um direito negado histórica e socialmente a este segmento social. Isto ocorre porque uma parcela da sociedade (não negra/indígena), por diversos mecanismos, se apropriou e hegemonizou o acesso e a fruição de direitos que deveriam ser universais.
A lei que estabeleceu a política afirmativa de cotas (30%) para candidaturas de mulheres ao parlamento, para todos os partidos políticos, visa promover condições mais favoráveis para que as mulheres sejam eleitas; já que temos em torno de 85% de representação masculina contra 15% de representação feminina, em média, nas casas legislativas do pais. Ou seja, foi idealizada para combater a evidente assimetria na representação política entre os gêneros na nossa sociedade.
A paridade entre mulheres (50%) e homens (50%) nos cargos de direção, em todos os níveis, já adotadas no Partido dos Trabalhadores, é outro exemplo de política afirmativa que reconhece direitos iguais entre mulheres e homens e adota medidas concretas para garanti-los.
Assim, reconhecer direitos iguais para mulheres e homens e formular leis que promovam essa igualdade, deveriam ter o sentido de valorizar as mulheres e combater efetivamente todas as formas de violência, preconceito e discriminação. Além disso, deveriam tais leis garantir direitos e serviços públicos de inclusão e promoção da autonomia em todos os âmbitos sociais; coibir e penalizar a violência contra as mulheres, como a Lei Maria da Penha; garantir o direito das mulheres ao seu próprio corpo, saúde integral em todas as fases da vida; autonomia econômica e real empoderamento político, dentre outros.
Do nosso ponto de vista, e conforme premissas do Partido dos Trabalhadores, as transformações sociais que defendemos devem ter por finalidade instituir uma nova sociedade, socialista, justa e igualitária, de mulheres e homens novos, construída e compartilhada conjuntamente por mulheres e homens livres e de pleno direito.
Consideramos que o PL 138/11 não contribui para a afirmação de direitos das mulheres e dessas premissas, pois ao invés de garantir a participação autônoma das mulheres na sociedade, propõe segregação entre os espaços feminino e masculino, demarcados visual e socialmente, fortalecendo ainda mais o conservadorismo que atribui espaços e funções diferenciadas entre os gêneros.
A proposta do PL também não se apresenta como possibilidade de política afirmativa de direitos das mulheres, que vise equiparação de acesso e oportunidades a um direito universal que seja hegemonizado pelos homens. Se assim fosse, teríamos que afirmar que somente as mulheres são vítimas do sucateamento da frota, da insuficiência e o superlotação do transporte coletivo na cidade de São Paulo.
Ainda, com o intuito de proteger mulheres "desamparadas", o PL converte toda a população masculina em previsíveis molestadores sexuais – pois todos deveriam ocupar o seu “devido lugar”: apartados das mulheres. Essa perspectiva não contribui com a luta secular das mulheres para conquistar e adentrar em todos os espaços públicos, com dignidade e valorização.
Além disso, é preciso pensar no conjunto da sociedade e nas futuras gerações que queremos construir. Aprovado o PL, as crianças– meninas com seus pais, ficariam em ônibus superlotados de homens e meninos. Os meninos, com suas mães, ficariam em ônibus superlotados de mulheres e meninas. As famílias (mães, pais e filhos/as) poderiam viajar juntas, claro, mas apenas nos ônibus superlotados “normais”, porque homens não deveriam utilizar os ônibus cor-de-rosa. Instituindo que mulheres e homens não devem compartilhar a sociedade e o espaço público.
No combate à violência sexual praticada contra as mulheres – em especial os crimes de estupro e muitos assassinatos decorrentes que ocorrem nas ruas, são positivas as ações preventivas como maior iluminação pública, policiamento ostensivo (devidamente capacitado), disque-denúncia, etc. A estratégia é diminuir as oportunidades e facilidades que esses criminosos encontram para violentar as mulheres; ampliar as possibilidades de salvamento e socorro às vítimas; e reconhecimento, denúncia e punição dos agressores. Neste caso, corretamente, não se parte do pressuposto que todos os homens são estupradores e assassinos de mulheres; mas que existem condições específicas e concretas que facilitam a ação de criminosos.
No caso do transporte coletivo, os molestadores de mulheres se aproveitam da superlotação e da certeza da impunidade para praticar seus atos. Por isso, defendemos que é preciso se atacar o problema concreto, garantindo espaço individual e digno para cada pessoa dentro dos ônibus, realizando campanhas educativas e de constrangimento dos molestadores de mulheres e tornando segura a ocupação dos espaços públicos (todos eles) com a finalidade de garantir os direitos individuais e coletivos, principalmente das mulheres, mas também de toda a sociedade.
São os molestadores de mulheres que devem ser apartados da sociedade, terem desmoralizada e dificultada sua ação! Não podemos aceitar que as mulheres sejam culpabilizadas e penalizadas pela violência que sofrem!
Com as mulheres e toda sociedade respirando e se movendo dignamente nos ônibus, pode-se evidenciar e denunciar os molestadores, contribuindo para mudanças culturais que tornem essas práticas inaceitáveis.
Um mandato petista ao parlamento, que respeitamos e reputamos popular e democrático, no sentido de garantir e ampliar direitos, no sentido de organizar a população e seus segmentos para exigir e conquistar transformações concretas da realidade; do nosso ponto de vista, deve se colocar como agente aglutinador da organização efetiva das mulheres para reivindicar o direito básico ao transporte público de qualidade, para reivindicar fiscalização do poder público para impedir a superlotação – afinal o transporte coletivo é uma concessão pública que garante lucros bilionários às empresas que o exploram, e hoje, sem contrapartida e sem nenhuma garantia de segurança e dignidade.
Tratar a população – mulheres e homens, como gado, para que as empresas de transporte obtenham lucros astronômicos, vilipendiando os direitos fundamentais (como quer a PEC 90/2011, em tramitação na Câmara Federal) das cidadãs e cidadãos também deve ser considerado crime! As mulheres tem direito ao transporte público de qualidade, e estamos apoiando as iniciativas que vão neste sentido.
Como vimos nas recentes manifestações populares, o debate e as soluções para a mobilidade nas cidades passam pela atualização das políticas públicas afirmativas e igualitárias. Para que uma cidade seja educadora, é preciso ter um Governo eleito democraticamente, o compromisso dos poderes Executivo e Legislativo e a participação efetiva de todos os segmentos da comunidade, para a criação e incentivo de novos projetos em educação, saúde e mobilidade. Enfim, é preciso mudar a cultura, é preciso educar, e tornar desnecessário propor vagões ou ônibus rosas.
Por fim, é preciso ressaltar que, em desacordo com o artigo que defende o PL 138/11, já citado, a defesa dos direitos das mulheres não é feita por “’ pseudo-vanguardistas” do feminismo e a incapacidade de reflexão de setores reacionários da sociedade”’, e nem por mulheres “irreais” ou suas entidades representativas.
Temos convicção que os mandatos e os governos do PT podem e devem trabalhar em conjunto com as instâncias partidárias, dialogando e construindo conjuntamente, neste caso, políticas com as Secretarias e Coletivos de Mulheres, municipais, estaduais e nacional. Da mesma forma, parlamento e governos petista da mesma localidade, precisam aprimorar seu necessário trabalho conjunto.
Devido às críticas feitas ao PL 138/11, o vereador Alfredinho (PT/SP) agendou para o próximo dia 23 de outubro, às 13 horas, Audiência Pública na Câmara Municipal de São Paulo. Em função da profunda discordância que não apenas nós, mas diversas entidades representativas de mulheres da sociedade civil organizada têm demonstrado em relação ao projeto, participaremos da Audiência Pública e defenderemos que o autor retire/arquive o Projeto. Acreditamos que o melhor encaminhamento é que o nobre vereador, o PT local e a gestão petista no governo da cidade construam outra proposta para tratar do problema de assédio e constrangimentos das mulheres no transporte público da cidade.
Desde já, fica aqui nosso compromisso e disposição para contribuir efetivamente, pois nosso intuito sempre é o de fortalecer a luta das mulheres e promover a igualdade da mulher no PT e na sociedade.
*Marta Regina Domingues é Secretária Estadual de Mulheres do PT-SP
** Assinam coletivo Estadual de Mulheres do PT-SP: Adriana Matos Pereira, Cassia Gomes, Giseli Silva, Jussara Lins, Maria Aparecida Aguiar, Marisa Scauri, Marisa Demarzo e Vera Machado.