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Teatro reunirá artistas e pensadores latino-americanos
Evento que acontece no Rio de Janeiro tem como foco principal a discussão das formas políticas de teatro e sua atualidade no continente
Terça-feira, 15 de outubro de 2013
Entre os dias 14 e 18 de outubro acontecerá no Rio de Janeiro o I Encontro Latinoamericano de Teatro, organizado pelo Instituto Augusto Boal e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O evento promoverá a reunião de pensadores e autores teatrais de diferentes países da América Latina, tendo como foco principal a discussão das formas políticas de teatro e sua atualidade no continente.
“Temos a ideia de estreitar as relações de artistas e pensadores de teatro do Brasil e do restante da América Latina. Esses vínculos já existem, mas são frágeis – o Brasil sempre fica um pouco à parte no contexto latino-americano, em uma cápsula linguística, talvez”, afirma a psicanalista Cecília Thumim Boal, organizadora do evento à frente do Instituto e viúva do teatrólogo Augusto Boal.
O ciclo será composto por oficinas, mesas redondas, palestras e apresentações. Entre as atividades previstas, estão a palestra “Autores teatrais versus logotipos comerciais”, a ser ministrada pelo dramaturgo Lauro César Muniz no primeiro dia do evento. No segundo dia, a diretora e professora Rosa Luisa Márquez dará a oficina “Sobressaltos e saltos, o jogo como disciplina teatral”. Gustavo Ott, dramaturgo e diretor do teatro San Martín, de Caracas, oferecerá a oficina “El Mapa Personal y los Jeroglíficos Vivos”, no terceiro dia.
A mesa redonda “História dos Movimentos Teatrais na América Latina” será um dos destaques do quarto dia do encontro, contando com a participação de Araceli Arreche, dramaturga e professora da Universidade de Buenos Aires (UBA), Maurício Kartun, dramaturgo e diretor de teatro argentino, Rosa Luisa Márquez e Eleonora Ziller, diretora da Faculdade de Letras da UFRJ. No último dia, o evento se encerra com o lançamento da reedição de Teatro do Oprimido e Outras Poéticas Políticas, de Boal.
Rede latina
A ideia de impulsionar a reunião do teatro latinoamericano inspirou-se na trajetória do próprio Boal, que desde os anos 1960 entabulou contatos duradouros com encenadores e coletivos de diferentes países das Américas.
“A América Latina inteira estava enfrentando ditaduras naquela época e o teatro funcionou como agente de resistência importante. Houve uma série de líderes do teatro latino-americano que estabeleceram uma espécie de rede – diretores como o uruguaio Atahualpa del Cioppo e o colombiano Enrique Buenaventura. Boal tinha muito vínculo com eles”, lembra Cecília.
As relações de Boal com os outros países latino-americanos começaram quando ele ainda era diretor do Teatro de Arena de São Paulo. Em 1966, o IFT, um dos grupos que compunham o movimento de teatro independente da Argentina, convidou o brasileiro a dirigir O Melhor Juiz, o Rei, de Lope de Vega, que o coletivo brasileiro havia encenado alguns anos antes. Na temporada argentina, Boal conheceu parceiros importantes – a começar por sua futura esposa, Cecília, que atuou na montagem.
Com o recrudescimento da ditadura no Brasil e sua prisão e tortura, Boal partiu para o exílio na Argentina em 1971. Viajando continuamente por diferentes países latinos, passou a desenvolver as técnicas que reuniria nas formulações do Teatro do Oprimido, consolidando relações com grupos e diretores. “Espero que possamos, por meio do encontro, pensar em uma dinâmica que possibilite que autores brasileiros sejam conhecidos no restante da América Latina e que autores desses países comecem a ser conhecidos aqui”, aponta Julián Boal, doutorando em Serviço Social na UFRJ e filho do teatrólogo.
Teatro do Oprimido
O desenvolvimento das técnicas que configurariam o Teatro do Oprimido começou em um momento de forte repressão a qualquer iniciativa cultural, após o decreto do Ato Institucional nº 5, no fim de 1968. Naquele momento, um coletivo de jovens atores acabava de se unir ao Teatro de Arena de São Paulo – foi esse grupo que, por sugestão de Boal, procurou criar formas de teatralizar notícias de jornal.
O expediente tinha duplo papel: por um lado, servia para contornar a censura, uma vez que as notícias dramatizadas já haviam sido aprovadas para publicações em jornais. Por outro lado, a exposição de matérias jornalísticas, colocadas em conflito na encenação, funcionava como método de crítica e de denúncia.
O procedimento de teatralização, esmiuçado durante as apresentações, seria facilmente assimilado pelos espectadores, estimulados eles mesmos a fazerem seus próprios coletivos de teatro-jornal.
Foi isso que ocorreu: em 1970, dezenas de grupos surgiriam em universidades, escolas, associações de bairro e sindicatos, em São Paulo e no interior – e até em Buenos Aires e Montevidéu.
Nascia assim uma das primeiras técnicas do Teatro do Oprimido. Quando Boal é obrigado a partir para o exílio, em 1971, outras experiências se somam a essa: teatro invisível, teatro-imagem, teatro-debate, teatro-fotonovela e muitas outras, todas elas unindo ator e espectador como agentes de um processo teatral libertador.
“A poética do oprimido é essencialmente uma Poética da Liberação: o espectador já não delega poderes aos personagens nem para que pensem nem para que atuem em seu lugar. O espectador se libera: pensa e age por si mesmo!”,afirmava Boal no livro.
O relato pormenorizado do processo de trabalho com cada uma das metodologias, sistematizado em um todo orgânico, compõe a porção do livro que funcionaria como referência para agitadores culturais no mundo todo, a partir da década de 1970.
A experiência do Teatro do Oprimido acompanhou um movimento mais amplo da esquerda latino-americana, dizimada pelas ditaduras que se espalhavam pelo continente e instada a buscar novas formas de organização, que promovessem um horizontalismo de base no seio das próprias estruturas partidárias e dos movimentos sociais.
É por isso que, em diversos países da América Latina, o Teatro do Oprimido caminhou lado a lado com campanhas de alfabetização que tinham como referência a Pedagogia do Oprimido, desenvolvida por Paulo Freire, e com as lutas da Teologia da Libertação – funcionando, por vezes, como principal expressão cultural do movimento.
O relançamento ocorre no ano em que massivas manifestações voltaram a tomar as ruas no Brasil. Na opinião de Julián Boal, que escreveu o posfácio da nova edição, o livro trata de questões relacionadas às demandas colocadas nas jornadas de junho. “Uma parte da população não se acha representada – e o Teatro do Oprimido trata desse déficit de representação, tentando encontrar soluções. Essas soluções não serão imediatamente aplicadas, uma vez que o contexto é outro, mas dão matéria a pensar”, avalia.