Desenvolvimento afegão exige desmilitarização e independência
De acordo com o relatório do Instituto Internacional de Pesquisa sobre a Paz de Estocolmo, a cooperação externa deve voltar-se a programas civis de assistência, mas não deixar de lado o componente militar
Terça-feira, 8 de outubro de 2013
O Instituto Internacional de Pesquisa sobre a Paz de Estocolmo (Sipri) divulgou um relatório, nesta terça-feira (8) sobre a reconfiguração das forças de segurança e da assistência internacional ao Afeganistão, com a retirada das tropas estrangeiras até 2014. De acordo com o relatório, a cooperação externa deve voltar-se a programas civis de assistência, mas não deixar de lado o componente militar.
Apesar da insistência do governo dos Estados Unidos em manter tropas no país após a retirada da Força Internacional de Assistência Securitária (Isaf, na sigla em inglês), em 2014, a estratégia para o Afeganistão ainda tem sido criticada em sua componente fundamentalmente militar.
Em 12 anos de intervenção estrangeira, que passou da invasão para o consentimento do governo (liderado pelo presidente Hamid Karzai), o Afeganistão viu índices de insegurança atingirem picos constrangedores, uma vez que o pretexto para uma intervenção militar e a sua manutenção é justamente o combate a este fenômeno.
Neste sentido, a presença militar impossibilita qualquer diálogo entre o novo governo e o grupo Talibã, removido do governo e relegado à condição de “grupo terrorista” fundamentalmente “ilegal”, com quem não se mantém conversações, independentemente da sua projeção política, fundamental para qualquer mudança no país.
Tentativas de conversações políticas já foram feitas entre as duas partes, mas novamente, a presença e a ingerência estadunidense fazem as iniciativas falharem frequentemente.
Jair van der Lijn, pesquisador holandês do Sipri, é o autor do relatório intitulado "Assistência ao Desenvolvimento no Afeganistão depois de 2014: Da estratégia de retirada militar à estratégia de entrada civil", que analisa a mudança de estratégia para o Afeganistão, ressaltando a importância do investimento em uma configuração civil em detrimento da militar para a assistência internacional prestada ao país.
Entretanto, o pesquisador afirma: “a comunidade internacional precisa desenvolver uma estratégia de entrada civil e comunicar à população afegã que a entrada civil, e não a retirada militar, é a sua estratégia para o futuro”.
“Doadores devem ignorar o comprometimento atual de direcionar 50% da assistência através do orçamento do governo. Ao invés disso, em cada setor (por exemplo, de saúde, educação, ou segurança) uma divisão efetiva do trabalho precisa ser estabelecida entre os governos centrais e provinciais, organizações não-governamentais (ONGs) e o setor privado”, continua.
Para Lijn, envolver as ONGs, o setor privado e a população local no fornecimento de serviços básicos não precisa ser algo que exclua o controle ou a legitimidade do governo.
Desmilitarização da estratégia ou fortalecimento da soberania
Diversos pesquisadores debatem o tema para defender uma estratégia mais adequada e sustentável a processos pelos quais passam países como o Afeganistão, cujo Estado é classificado através de termos e concepções ocidentalizadas e liberais em função da sua “eficiência”.
Por isso, pode-se revelar catastrófica a descentralização das tarefas básicas atribuídas a um Estado para atribuí-las ao setor privado ou ao terceiro setor (que, nestes países, podem incluir empresas e ONGs estrangeiras com papel demasiado importante).
Ainda, se o intuito é o fortalecimento das capacidades estatais, com a devida importância aos governos e organizações sociais a níveis micro, em configurações culturais e tradicionais, garantir influência política e econômica a estes setores pode-se revelar contraprodutivo e comprometedor para estas mesmas configurações tradicionais.
Por outro lado, Lijn ressalva, “doadores de assistência internacional precisam prestar mais atenção à segurança e ao Estado de direito. Mas alternativas à atual estratégia, que é frequentemente percebida como militarizada e de curto-prazo, precisam ser encontradas. É geralmente mais efetivo integrar estas questões a programas mais abrangentes de desenvolvimento”.
Apesar do emprego de termos ainda postos por diversos pesquisadores sob uma análise crítica, dada a sua carga liberal e ocidental (como “segurança” e “Estado de direito”), é extremamente pertinente o questionamento do caráter militarizado da “assistência internacional” em geral. No caso afegão, em específico, a presença de tropas estrangeiras no país é ainda justificada com o treinamento das forças de segurança nacionais, às quais o “comando” é passado gradualmente pelos Estados Unidos.
Relações de dependência mantêm-se a médio e longo-prazo em ambas as situações, militarizadas e “civis”, ou seja, de apoio a programas de desenvolvimento nacional que compreendam outras concepções de “segurança”, como o combate à pobreza e as garantias de serviços básicos, como educação e saúde.
O fortalecimento das capacidades nacionais deve visar a real independência do Afeganistão, para que o país possa empreender um processo soberano de construção da paz, com a resolução de conflitos internos (atualmente focados no papel do grupo Talibã), mas que envolvem questões estruturais mais abrangentes, dificilmente tratadas com a presença de tropas estrangeiras, sobretudo estadunidenses.